quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

SAGA INTERNACIONAL - 4/6

TÓPICOS DESTA PARTE DO PRESENTE CAPÍTULO:
Aviação - Parnaíba entre Nova York e Buenos Aires;
Aviação - Panair e Celso Nunes;
Aviação - Na paz e na guerra;
Aviação - Honra ao mérito e expansão


 
AVIAÇÃO – Parnaíba entre Nova York e Buenos Aires
   Como explicado no início deste capítulo, a Casa Ingleza cresceu muito e contribuiu de forma expressiva para o desenvolvimento econômico e social do Piauí,  no tempo em que o Brasil não tinha indústria e era muito dependente do comércio exterior; a principal atividade da firma era a importação de produtos europeus, mas a visão comercial de James Frederick Clark e seu filho Septimus (que o sucedeu)  os levou a   importar também produtos americanos, especialmente gasolina, querosene e óleos, passando a firma a ser distribuidora da Standard Oil (atual Esso).
   No final da década de 1920 essa circunstância, além da localização no delta de um grande rio, colocou a Casa Ingleza na rota por onde uma empresa americana de aviação comercial haveria de beneficiar o Brasil, incluindo o Piauí.

Abro um parêntese:  Fazendo agora um imaginário voo sobre o passado, vejo pessoas, países, nomes, fatos e épocas que se interligam como riachos formando um rio; e nesse contexto raciocino o seguinte, numa visão panorâmica:
   Em 1927 ocorreu um fato extraordinário que marcou a história da Aviação:  Charles Lindbergh efetuou o 1º voo sem escala entre Nova York e Paris!  Os ventos que sustentaram seu avião enquanto voava baixo sobre o Atlântico foram os mesmos que sopraram nas velas do navio que atravessou o mesmo oceano em 1869 trazendo da Inglaterra para o Brasil o jovem James, que - exatamente em 1927 - haveria de ser meu avô. De igual modo, foram os ventos que impulsionaram as caravelas de Colombo e de todos os navegadores, cujos pulmões aspiraram o mesmo ar que deu vida ao bravo aviador e força ao motor do avião que se tornou famoso graças ao heroísmo de quem o pilotou. Além do comandante e do combustível, o que as aeronaves mais precisam para voar é de algo criado por Deus e por Ele colocado à disposição da humanidade -  o oxigênio encontrado na atmosfera. Ele é o agente da combustão (da gasolina ou do querosene que, explodindo internamente, faz girar os motores) e também o agente da respiração (inspiração/expiração do ar nos pulmões). No livro “Compartilhando Riquezas de Vida” escrevi sobre “O vento, o voo, o homem e... Deus” – num capítulo sob esse título.  Fecho o parêntese.

   Em 1929 a Standard Oil comunicou à Casa Ingleza a próxima chegada de um avião em Parnaíba, solicitando seu apoio aos aviadores e autorizando o fornecimento de gasolina e óleo. O velho James falecera no ano anterior e o telegrama de Nova York foi lido por Celso Nunes (então sócio da firma), que naquele instante iniciou o amistoso relacionamento com a Aviação que haveria de perdurar ao longo de décadas.
   O apoio solicitado incluía a escolha de um local apropriado no rio Parnaíba para o avião pousar, onde deveria ser colocado um mastro com uma grande bandeira branca. Com a colaboração de um Oficial de Marinha (Capitão dos Portos do Piaui), Papai escolheu o local; a bandeira foi oferecida por Mamãe, que emprestou um lençol novo de meu irmão Fred (de 7 anos) - que no futuro haveria de ser aviador...!

Abro um parêntese: Muito antes do jovem Celso sonhar em conhecer e se apaixonar pela filha de um cidadão britânico, ele já falava inglês fluentemente e trabalhava na filial cearense de um banco de Londres - o Bank of London & South America Ltd., de Fortaleza. Enquanto isso, o Governo Federal resolveu construir uma Estrada de Ferro no Piauí; para chefiar a construção, foi designado o Eng. Miguel Bacelar, que residia no Rio de Janeiro  mas era casado com Flora, filha de James e Magdá Clark.
   Um dia o referido engenheiro, visitando um amigo em Fortaleza, conheceu um sobrinho dele; passou a admirar as qualidade do jovem e oportunamente o  convidou  para trabalhar com ele no Piauí até o final das obras ferroviárias. Aconselhado pelo tio, Celso aceitou e, deixando o “Londonbank”, foi morar em Parnaíba. Lá ele teve a felicidade de conhecer a cunhadinha do chefe, filha caçula de James e Magdá.
  O “amor à 1ª vista” de Marie Clark e Celso Nunes resultou num lindo namoro seguido do noivado - em 9.11.1919 - e num feliz casamento - em 6.1.1921 - que durou 68 anos. As fotos abaixo são do tempo em que eles eram noivos.
    Voltemos à vida profissional do jovem Celso Nunes: quando a Estrada de Ferro Central do Piauí foi inaugurada, o Dr. Miguel Bacellar regressou ao Rio de Janeiro com sua família; seu auxiliar (agora cunhado) planejou voltar para Fortaleza mas recebeu e aceitou um convite de James Clark para permanecer em Parnaíba, trabalhando na Casa Ingleza. Com o falecimento do sogro, em 1928, ele passou a sócio da empresa, da qual já era a segunda pessoa na administração, ao lado de Septimus Clark.
   Quando o avião acima referido afluvisou nas águas do Parnaíba, meu pai teve o segundo caso típico de “amor à 1ª vista” - com a Aviação...!    Fecho o parêntese.

   O avião daquele telegrama de 1929 pertencia à NYRBA - New York - Rio & Buenos Aires Line Inc.   Era um bimotor Sikorsky S-38, anfíbio, como o da foto ao lado. Meu pai, convidado a voar, foi o 1º piauiense a subir aos ares em Parnaíba como passageiro de um avião. Foi em um deles que Charles Lindbergh inaugurou a rota Miami–Panama em 1928. A NYRBA, pouco depois, veio a ser adquirida pela Pan American Airways e a subsidiária brasileira mudou de nome, passando a ser Panair do Brasil S.A., com sede no Rio de Janeiro.
   Nos anos subsequentes a evolução da tecnologia aeronáutica fez a linha de Nova York a Buenos Aires ser servida por aviões mais modernos: Consolidated Commodore,  Sikorsky S-42 (“Brazilian Clipper”, de 4 motores) e S-43 (“Baby Clipper”).

Abro um parêntese: No contexto da saga internacional focalizada neste artigo ressalto o seguinte fato: no Piauí a Estrada de Ferro foi construída por Miguel Bacelar e as operações da Pan American Airways foram coordenadas por Celso Nunes; ambos eram genros de James Frederick Clark, o inglês que amava o Brasil. Ele vivenciou a implantação da ferrovia mas não teve o prazer de ver a chegada das aerovias. Apesar disso, dois de seus netos herdaram do pai o amor à Aviação e tinham um dos nomes  (James e Frederico) do avô.  O mais velho foi aviador, tendo desempenhado funções relevantes na paz e na guerra, conforme relatado na parte 3/6; o mais novo é empresário, tendo se especializado em vendas de aviões e helicópteros, depois de ter adquirido experiência no comércio de caminhões, motores e máquinas – conforme relatado na parte 5/6.   Fecho o parêntese.

AVIAÇÃO – Panair e Celso Nunes
   No ano de 1936 meu pai se desligou da Casa Ingleza e fundou sua firma individual - Celso Nunes - que passou a ser a Agente da Pan American e da Panair. Além dessa atividade, a nova firma se dedicava a exportação de cera de carnaúba (para Europa e América) e revenda de carros e caminhões da General Motors (Agência Chevrolet).


Abro um parêntese: Quando a foto ao lado foi tirada a firma já tinha mais de dez anos, mas foi escolhida para mostrar uma bandeira hasteada - da Panair - e duas placas perpendiculares à fachada do prédio - uma da Panair e outra da Chevrolet. Entre o caminhão do centro e o 3º são vistos um cliente, meu pai, minha irmã Sônia e eu; os demais eram funcionários da matriz, em Parnaíba, em 1948.   Fecho o parêntese

   Apesar da atividade referente a transporte aéreo ser, em termos econômicos, menor do que as outras, ela era a “menina dos olhos” de meu pai – por amor à Aviação.

  


AVIAÇÃO – Na paz e na guerra
   Esta peculiaridade deu a ele a dignificante oportunidade de contribuir para o esforço de guerra no ano de 1942, época em que a África do Norte era palco de violentos combates entre forças alemãs e inglesas, cujos geniais comandantes entraram para a História - Marechais Erwin Rommel e Bernard Montgomery, respectivamente.
   A megalomania de Hitler e seu imenso poderio bélico indicavam a possibilidade dos alemães dominarem territórios também na África Ocidental, o que colocaria em risco os aeroportos do Nordeste do Brasil; alguns deles eram indispensáveis para aviões americanos cruzarem o Atlântico em direção à Inglaterra, que deles dependia para não sucumbir à fúria nazista de domínio da Europa e do mundo.
   Para prevenir tal possibilidade, os governos brasileiro e americano concordaram em montar uma estratégica rede de “campos de aviação” e equipá-los para que neles pudessem operar, em casos de emergência, aviões que ficassem impedidos de utilizar os poucos aeroportos das capitais do Norte e Nordeste. Na hipótese de bombardeio dos mesmos, os muitos aviões que ficariam impossibilitados de operar neles passariam a utilizar numerosos “campos de aviação”, cada um recebendo poucos aviões. Além disso, as pequenas pistas poderiam facilmente ser aumentadas graças à abundância de terrenos adequados a operações aéreas, nas localidades do interior.
O plano militar, sigiloso, foi confiado à Pan American Airways e à Panair do Brasil para estabelecerem operacional e comercialmente uma nova linha regional.


 Surgiu então a “Rede Aeroviária do Nordeste” da Panair, ligando dezenas de pequenas cidades dos Estados do Pará, Maranhão, Piauí e Ceará e as respectivas capitais. Para administrar a parte comercial da mesma foi “convocado” o talento do fiel e entusiástico agente da Panair em Parnaíba – o empresário Celso Nunes, meu pai. Ele aceitou e agiu prontamente, voando muitas vezes nos bimotores Lockheed Electra 10E (cujos pilotos se tornaram seus admiradores e amigos) para escolher pessoalmente um sub-Agente para cada localidade. Ofereceram a ele a supervisão de todos, mas seu bom senso o fez aceitar a responsabilidade de apenas 17 deles.



Abro um parêntese: As tripulações dos aviões eram formadas por comandantes da Panair e oficiais da FAB, juntos, como os da foto ao lado, que mostra o Tenente Délio Jardim de Matos (que seria o Ministro da Aeronáutica do Governo João Figueiredo) e o Cte. Parreiras Horta - na frente de um Electra na capital do Piauí. Os demais são o gerente da filial de Teresina da firma Celso Nunes e seus convidados. Fecho o parêntese.

   A importância da rede aeroviária criada no auge da 2ª Guerra Mundial (nos governos   Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt) pode ser avaliada pelo seguinte fato: ela foi suspensa logo depois do bem sucedido desembarque de tropas americanas no Norte da África para, em conjunto com o Exército da Inglaterra, expulsar os alemães.
   A reconhecida competência demonstrada por meu pai naquela complexa missão foi motivo de gratidão e elogio por parte da diretoria da Panair.

   O final da guerra, em 1945, propiciou o ingresso dos famosos aviões Douglas DC-3 (idênticos ao da foto ao lado) nas linhas aéreas comerciais de numerosos países, inclusive o Brasil. No dia 12.11.1945 a Panair inaugurou em Parnaíba os serviços com esse equipamento, com a escala do 1º avião DC-3 de sua frota que pousou no Piauí.
   Durante muitos anos a cidade de Parnaíba foi beneficiada pelas escalas de aviões desse tipo, da Panair, da Cruzeiro do Sul e da Aerovias Brasil. A Panair mantinha dois voos diários, um vindo do Sul para o Norte e outro voltando no sentido oposto. Começavam em Porto Alegre e terminavam em Manaus, escalando em praticamente todas as capitais litorâneas do Brasil. Como Teresina fica no centro, a capital do Piauí não era servida pela Panair, que escalava sempre em Parnaíba.
 
AVIAÇÃO – Honra ao mérito e expansão
   Em 1948 a Panair - na época a principal empresa brasileira de Aviação Comercial -   fez um importante convite ao seu admirado Agente e velho amigo Celso Nunes: assumir sua Agência na
capital cearense. Ele, porém, condicionou a aceitação (e sua mudança de residência de Parnaíba para Fortaleza, com parte de sua família) a uma única exigência: o estabelecimento imediato de uma linha Rio-Fortaleza-Rio com o emprego dos quadrimotores da linha Brasil-Europa, que operava desde 29.4.1946.
   Eram os Lockheed Constellation L-49, que além de lindos eram a última palavra em tecnologia aeronáutica, inclusive com cabine pressurizada (para voos serenos, em altitudes elevadas). Foi difícil aceitarem a condição exigida  mas, diante da firmeza de Celso Nunes, a ideia foi aprovada e Fortaleza foi incluída no seleto rol de cidades servidas pelos mais velozes e confortáveis aviões que existiam no mundo, como o da foto acima. O sucesso foi extraordinário sob todos os aspectos, graças a Deus. Até a cidade de Parnaíba (servida pelos bimotores) foi beneficiada - pela facilidade de conexões com os quadrimotores que passaram a operar em Fortaleza.
      
Fim da parte 4/6                                                                         Continua na parte 5/6

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SAGA INTERNACIONAL    -    6  PARTES    -    SUMÁRIO

1/6 - Saga internacional; Transplante; “Árvore do vovô”; Inglês que amava o Brasil e brasileira que amava a Inglaterra; Dedicação e fidelidade premiadas; Entreposto comercial na foz de um grande rio

2/6 - Nomes, épocas e circunstâncias; Guerra no mundo...; Frederico no Japão -  Embaixador do Brasil; Frederico outra vez na França, agora como Embaixador

3/6 - Submarinos x Aviões; Cooperação Brasil – USA; Paz e Esperança; Sonhos x Realidade 
 
4/6 - Aviação - Parnaíba entre Nova York e Buenos Aires; Aviação - Panair e Celso Nunes; Aviação - Na paz e na guerra; Aviação - Honra ao mérito e expansão

5/6 - Negócios e Famílias - mudanças e bênçãos; Árvore comercial plantada por meu pai  -  há 80 anos; James Kelso no Rotary International

6/6 - Elos de amor unindo gerações; Floresta de árvores genealógicas; Brasil e Inglaterra; Conclusão

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“Perto está o SENHOR de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade.”  Salmo 145.18

3 comentários:

  1. Muito interessante esses fatos e história que envolve nossa cidade!!! Bem que poderia ser escrita nos livros de história do Ceará! Parabéns!
    Marilia

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  2. Gostei muito. É muito bom saber a história das pessoas que ajudaram no crescimento do nosso país.

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