sábado, 29 de fevereiro de 2020

90 ANOS, 1 VIDA... - AVIAÇÃO - Postagem 2 de 5


Continuação de AVIAÇÃO   -   1/5      
Contendo referências sobre:


O 1º voo da América à Europa ligou o ano de 1927 à História da Aviação; Brasil -  campo fértil para a navegação aérea; hidroavião de 12 motores (foto); Exupéry, o aviador que encantou o mundo como escritor; 10.208 bombadeiros Liberator B-24.


América e Europa ligadas pelos ares

1927 - o ano em que nasci - entrou para a História da Aviação assinalando o 1º voo sobre o Atlântico Norte (Nova York/Paris sem escala), graças à perícia, bravura e prudência de Charles Lindbergh (1902-1974) pilotando o avião Ryan (foto) batizado com o nome “Spirit of St. Louis”.


O vibrante evento está citado no capítulo “O vento, o voo, o homem e... Deus” que escrevi no livro “Compartilhando Riquezas de Vida“ (publicado em 2014).
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França e a Aviação - anos 1926 a 1936  No mesmo ano (1927) a Aviação chegou no Ceará, quando numa praia de  Fortaleza pousou um avião Latecoère (foto) da Compagnie Générale Aéro-Postale. Ele simbolizava a projeção da França no cenário da aviação e a pessoa do pioneiro Pierre-Georges Latécoère (1883-1943), que desde 1918 (no final da 1ª Guerra Mundial e depois dela) fabricava aviões em Toulouse.

Entre  centenas de diversos modelos (militares e civis) encontravam-se os  que ficaram famosos graças aos seus pilotos: Exupéry, Mermoz e Guillaumet.

Os três trabalharam na empresa Latécoère, também fundada pelo grande industrial a quem a Aviação muito deve. A referida empresa passou a ser chamada Aéropostale – que se notabilizou através dos aclamados livros de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), o aviador que encantou o mundo como escritor. Ele foi admitido na Latécoère em 1926, como piloto transportando mala postal na linha Toulouse (França) – Casablanca (Marrocos) – Dakar (Senegal). 

Jean Mermoz (1901-1936) estabeleceu a linha Buenos Aires - Rio, em 1928; em 1929 - realizando uma grande proeza - cruzou os Andes; em 1930 fez a 1ª travessia (sem escalas) do Atlântico Sul, pilotando um hidroavião Latécoère num voo histórico que consumiu 21 horas e 10 minutos; entre 1930 e 1936 Mermoz fez 24 travessias do Atlântico Sul; lamentavelmente, foi nesse mesmo Oceano que, em 1936, ele desapareceu para sempre (com mais quatro tripulantes) quando pilotava o Latécoère batizado com o expressivo nome “Croix-du-Sud” (Cruzeiro do Sul).

Henri Guillaumet (1902-1940) foi, além de colega, amigo íntimo de Exupéry, que tanto o admirava que lhe dedicou um de seus livros (“Terra dos Homens”).
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Mercado mundial de navegação aérea

 Nas décadas de 1920 e 1930 o mercado mundial de navegação aérea era disputado por europeus e americanos. No Brasil os alemães operavam com a CONDOR e colaboraram - em 1927 - na fundação da VARIG. Os americanos operavam com a NYRBA, sucedida pela Pan American e pela PANAIR.

Dentre os aviões alemães que a CONDOR e outras empresas utilizavam, os principais eram os Junkers JU-52.  Para operar em pistas de terra eles eram equipados com rodas compondo um trem de pouso – como o da 1ª foto (ao lado). Para operar em baías, rios e lagos eles eram equipados com flutuadores – como o da 2ª foto (abaixo).
Como aviões terrestres foi que eles serviram à Força Aérea Alemã (Luftwaffe) durante a 2ª Guerra Mundial. Mais de 3.000 deles foram produzidos! Eram utilizados nas mais variadas missões, Inclusive transporte de tropas e lançamento de paraquedistas O próprio Adolf Hitler usava um. Diversos deles são vistos - voando e pousados - no vibrante filme “Operação Walkyria”. 

Depois da guerra eles foram muito utilizados por  empresas de aviação comercial em vários países. Os lendários JU-52, com três motores, voavam a 245  km/h transportando 4 tripulantes e 16 passageiros. No Brasil a CONDOR foi sucedida pela CRUZEIRO DO SUL.

Em Parnaíba, antes da Guerra, os da CONDOR começaram a operar no rio Igaraçu, em frente ao cais fluvial onde tem início a Avenida Presidente Vargas (antiga Rua Grande). Sempre que possível eu estava exatamente ali para apreciar os pousos e decolagens desses impressionantes aviões. Depois eles passaram a operar no bairro Coroa, passando depois para Rosápolis, mais distante porém no caudaloso rio Parnaíba.
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Hidroavião de 12 motores

Em 1930 meu pai tomou conhecimento de que algo fabuloso estava para acontecer nos ares do Brasil: em Novembro daquele remoto ano um gigantesco barco voador de 12 motores saiu da Holanda, via Lisboa, para um voo transatlântico com diversas escalas até o Rio de Janeiro  (onde chegou no início de 1931). De lá ele voaria para a América do Norte, escalando em cidades do nosso litoral entre Rio e Belém.

Na semana em que ele talvez sobrevoasse Parnaíba, meus irmãos mais velhos olharam para o céu algumas vezes, e eu os acompanhei, mas em vão. Papai ficou atento às notícias sobre o assunto, retransmitindo-as à Mamãe e a meus irmãos. Apesar de muito criança, fui contagiado pelo seu entusiasmo.

Finalmente soube-se da apoteótica chegada do avião em Nova York em 27 de Agosto de 1931. Os tripulantes foram recepcionados pelo Prefeito e viajaram a Washington para receberem os cumprimentos do Presidente Hoover.

O imponente Dornier DO-X passou meses parado nos Estados Unidos (onde virou atração turística) e finalmente regressou à Alemanha, saindo em 21.5.1932 e chegando em Berlim três dias depois. Lá, em 1934, ele se tornou a peça central de um novo Museu Aeronáutico, que em 1943 veio a ser destruído num bombardeio durante a 2ª Guerra Mundial.

O monstro tinha 12 motores (6 gêmeos fixados sobre a asa, acima da fuselagem, com 6 hélices tratoras e 6 hélices impulsoras). Os motores de 600 HP eram de 12 cilindros em V, refrigerados a líquido. O voo cruzeiro era a 160 km/h, na altitude de apenas 500 metros. Ele media 41 metros de comprimento por 48 de envergadura e 10 de altura. O peso máximo de decolagem era de 56 toneladas!  Transportava 66 passageiros em voos transatlânticos ou 100 em voos curtos. Na foto acima ele é visto de frente.
                                                                                    
Seu genial projetista e construtor foi o industrial alemão Claudius Dornier, nascido em 1884 e falecido em 1969. Apesar de grande sucesso que, antes, ele desfrutou com seus famosos Dornier “Wal” (produzindo cerca de 300 unidades), o genial projetista lamentavelmente não teve êxito com a brilhante ideia e ousada iniciativa de construir o maior avião do mundo. Na foto ao lado ele é visto de trás.

A avançada tecnologia não foi correspondida pelo mercado, que na época ainda era incipiente e os Estados Unidos estavam sob o efeito da Grande Depressão. A única empresa que chegou a operar com ele foi a Lufthansa (alemã), mas por pouco tempo. Em 1933 ela planejou realizar voos para Viena, Budapeste e Istambul, mas o dano causado por um acidente fez o plano abortar.

O 1º voo do gigantesco avião foi realizado em Julho de 1929 - no lago Constança (fronteira de Alemanha e Suiça), onde ele foi feito – ao longo de sete anos... Só foram produzidos três deles sendo dois para a Itália. Nenhum dos três resistiu à calamidade da 2ª Guerra Mundial, sendo destruídos em bombardeios.  Que melancólico fim de algo tão fantástico...!
                                                    
O máximo que pude contemplar do admirável avião, cujo nome evoca minha infância e meu pai (de quem herdei o entusiasmo pela Aviação) foi uma enorme maquete dele que vi exposta no Aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro. Ela pertencia a alguma entidade do Ministério da Aeronáutica e enriquecia uma bela exposição alusiva à Semana da Asa, há muitos anos.

O tempo passou mas a lembrança ficou, aumentando minha admiração ao DO-X e à visão de Claudius Dornier – cuja contribuição ao progresso da Aviação é inestimável.
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Meu 1º voo - 1936

            No capítulo “O vento, o voo, o homem e...Deus” do já citado livro “Compartilhando Riquezas de Vida  - no tópico “Dezenas de tipos de aeronaves, centenas de voos” - escrevi sobre meu 1º voo. Com ele realizei, aos oito anos de idade, um antigo sonho – o de voar...!
           
            Foi num hidroavião de três motores de 300 HP, que a 140 km/h transportava 3 tripulantes e 9 passageiros - Junkers G-24, da CONDOR, com o nome Ypiranga pintado na fuselagem. Viajei com Mamãe e três irmãs, de Teresina a Floriano, sobrevoando o grande e admirável rio Parnaíba.              _____________________________________________________________________________

Campo de Aviação e Associação Comercial de Parnaíba
          
Como já mencionei, em 1927 o Governo do Brasil criou a Diretoria de Aviação Militar e adquiriu numerosos aviões. Alguns deles faziam escala no Piauí. Na década de 1930 começaram os voos dos aviões militares (que foram embriões do Correio Aéreo Nacional). Eram os lindos aviões vermelhinhos (como os das fotos abaixo), pelos quais fui apaixonado durante minha infância. Tive a alegria de ver de perto muitos deles,

Para Parnaíba participar do esforço de integração nacional com o uso de aviões, a Associação Comercial comprou um terreno para ser o “Campo de Aviação” (Catanduvas). A campanha foi liderada por meu pai, cuja visão o fez tomar a iniciativa, que foi assimilada pelos seus colegas do comércio parnaibano.

Mais de 20 anos depois, ele já morando em Fortaleza e eu sendo Diretor daquela entidade (sob a presidência do saudoso e ilustre amigo Ranulpho Raposo), a ACP doou o referido terreno ao Ministério da Aeronáutica a fim de habilitá-lo a construir uma pista maior e asfaltada. Assim nasceu o Aeroporto de Parnaíba, que muitos anos depois foi denominado “Dr. João Silva Filho”.
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Pequenos aviões, grandes feitos

50 anos ligam essas duas fotos. A 1ª é do “Waco” batizado de THEREZINA, em homenagem à capital do meu Estado - o Piauí - no meio da década de 1930.                                                                      

A 2ª é do mesmo ou de outro idêntico, no Museu de Aeronáutica do Rio de Janeiro, onde eu e meu irmão Fred, em 1985, relembramos a época em que, meninos, admirávamos os aviões militares (embriões do Correio Aéreo Nacional) que pousavam no Campo de Aviação de Parnaíba - Catanduvas. São  dignos e memoráveis os feitos que, com eles, seus bravos pilotos contribuíram para o progresso e a união do Brasil.

No 1º é visível a palavra nele pintada - THEREZINA; no 2º a palavra é invisível, pois só eu a percebo: SAUDADE.
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Rede Aeroviária do Nordeste

No início de 1942 a Panair estabeleceu a “Rede Aeroviária do Nordeste”, com aviões bimotores Lockheed “Electra” ligando às capitais dos Estados do Pará ao Ceará 26 pequenas cidades interioranas. Ela confiou ao meu pai a escolha de 17 sub-agentes no Maranhão e no Piauí, os quais seriam supervisionados por ele. Ao lado do comandante (da Panair) vinha sempre um oficial (da FAB), dada a natureza militar daquele serviço, cujo objetivo era utilizar pequenas pistas fáceis de ampliação, para eventuais pousos de bombardeiros.

Havia o risco dos alemães, que já dominavam o Norte da África, chegarem à África Ocidental, de onde poderiam atacar aeroportos do lado de cá do Atlântico, o que impediria o fluxo de aviões militares americanos destinados à Inglaterra utilizando as bases aéreas brasileiras no litoral do Nordeste.

A cooperação dos Governos dos Presidentes Franklin Roosevelt e Getúlio Vargas foi materializada através da Pan American e da Panair, no pertinente ao plano estratégico acima referido. Ele foi interrompido em 7.11.1942, quando dezenas de milhares de soldados americanos atravessaram o Atlântico em centenas de navios e desembarcaram no Norte da África, sepultando o maquiavélico plano de Adolf Hitler.
       
Tenho orgulho da participação de meu pai nessa epopéia. Ele voou muitas vezes nos aviões “Electra” e se tornou amigo dos pilotos, a exemplo do Tenente Délio Jardim de Matos, que é o primeiro à esquerda na foto ao lado. Ele é o mesmo que, em 1979, no mais alto posto (Tenente-Brigadeiro), veio a ser  Ministro da Aeronáutica.
           
Mais detalhes sobre a importante iniciativa, que faz parte da história da aviação comercial brasileira, encontram-se no tópico “Mundo em Guerra” do capítulo “Meu pai e a navegação aérea”, que escrevi no livro (publicado em 2014) “Compartilhando Riquezas de Vida”.
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Aero Club de Parnaíba

No mesmo livro consta outro tópico relacionado à aviação em Parnaíba e ao envolvimento de meu pai e do Ten. Délio, que ofereceram ao povo uma inesquecível festa aeronáutica. Em resumo foi o seguinte:

A cidade estava empolgada com a chegada do primeiro avião do recém-fundado Aero Club, tendo o Prefeito motivado o Diretor da Estrada de Ferro a disponbilizar pranchas rebocadas por uma locomotiva para transportar gratuitamente - entre a cidade e o aeroporto - as pessoas que desejassem ver o pouso do então moderno “avião de treinamento primário” Piper Cub - batisado de “Moreninha”. Milhares compareceram...! Papai, com antecedência, combinou com o Délio para chegar exatamente alguns minutos depois do pouso do aviãozinho, e ele fez melhor do que a encomenda! Pois é, a pista estava coberta de gente apreciando o valioso presente alado recebido pela cidade quando se ouviu o ronco de um avião comercial na aproximação para pouso...; só que ele não pousou, preferindo passar em voo rasante duas ou três vezes sobre o povo, que obviamente liberou a pista correndo  para todo lado.

Foi um espetáculo digno de um filme de ação. Nunca tanta gente leu o nome Panair pintado num avião em que podia ver e tocar com as mãos. Eu tinha 14 anos mas parece que foi ontem a vibrante festa aeronáutica parnaibana.
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10.208 bombadeiros B-24

            O mundo estava em guerra em 1942 e o Brasil muito contribuiu para a vitória do bem sobre o mal permitindo que americanos utilizassem aeroportos nordestinos para aviões militares atravessarem o Atlântico. Milhares realizaram
a façanha e Natal entrou para a história como o famoso “Trampolim da Vitória”.

            Um desses milhares pousou em Parnaíba em seu voo para a Europa. Foi em 1942, quando eu tinha 14 anos e vibrei ao ouvir o ronco de 4 motores de um enorme avião todo verde voando baixo em direção ao Catanduvas.
           
Imediatamente peguei minha pequena máquina de retrato e saí pedalando a bicicleta a toda velocidade. Pareceu-me um sonho ver o monstro pousado. Tirei a foto acima, que aqui reproduzo com prazer. Um tripulante ainda tentou tirar o filme, mas desistiu quando afirmei que eu ainda não tinha tirado uma foto e não tiraria outras. Acho que ele gostou de ver um jovem brasileiro falando inglês...

Depois fui pesquisar sobre os admiráveis “Liberator” B-24, construídos pela Consolidated Aircraft: eles mediam 33,5 x 20,4 metros e voavam a 446 km/h, podendo transportar 3.629 quilos de bombas. Ao longo da 2ª Guerra Mundial foram fabricados 10.208 desses poderosos aviões.

Juntamente com os igualmente famosos quadrimotores Boeing B-17 -  “Fortaleza Voadora” - os “Liberator” B-24 foram os principais bombardeiros da grandiosa Força Aérea Americana. O patriotismo e a bravura de seus milhares de aviadores, muitos dos quais pagaram com suas vidas o preço da Liberdade, muito contribuiram para que os “Aliados” livrassem o mundo das garras do demoniaco Adolf Hitler.

Em 1946 conheci nos Estados Unidos um ex-comandante de B-24, meu contemporâneo no Instituto de Tecnologia da General Motors em Flint, Michigan. Ele - Mahoney - tinha 23 anos e eu 19. 
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Fim da postagem 2/5 da parte AVIAÇÃO

Continua em  AVIAÇÃO 3/5


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