sábado, 23 de fevereiro de 2019

AERONAVES E CORAÇÕES



Pétalas de rosas “caindo do céu” suavizaram o sofrimento de familiares de vítimas da barragem de Brumadinho. Balões lançados por aviões na Holanda lembraram ação na 2ª Guerra Mundial. Flores jogadas em cemitério no Piauí.

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AERONAVES E CORAÇÕES   
            
Algo em comum
Três episódios - distanciados de hoje por 34 e 66 anos - revelam algo em comum, apesar de ocorridos em épocas e locais diferentes sob todos os aspectos.

Vou contar um pouco sobre cada um deles e convido os leitores a descobrirem o "algo" que eles têm em comum.                                                                                                                                                                                                                                                        
   -    2019
Pétalas de rosas lançadas por helicópteros em Brumadinho
A cena de 6 helicópteros em voo pairado (voando sem sair do lugar) e mais 1 voando para se incorporar à esquadrilha foi linda e atraiu a atenção de quem teve o privilégio de vê-la. Eu tive, na televisão. Foi em torno do meio dia de 1.2.2019 enquanto eu via e ouvia a Globo noticiando uma cerimônia em Brumadinho (MG) no 8º dia do rompimento de uma barragem da multinacional Vale.

     Ela provocou mortes em Minas, tristeza no Brasil e solidariedade internacional, simultaneamente com extraordinárias ações de entidades governamentais (Estaduais e Federal) compatíveis com a gravidade da gigantesca e lamentável tragédia – que  causou tristeza e revolta, clamando por providências. Ministros do Governo Bolsonaro estiveram no local no mesmo dia, e o próprio Presidente foi lá no dia seguinte.

     O último helicóptero também parou e os 7 - parados nos ares - permaneceram aguardando o momento em que haveriam de lançar pétalas de rosas sobre a área em que centenas de pessoas foram tragadas vivas pela avalanche de lama...


     Em terra, nas proximidades, dezenas de militares e civis se posicionaram diante de um mastro recém fincado (foto). Nele foram içadas bandeiras do Brasil e de Minas Gerais.  Um capelão da Polícia entoou cânticos e leu passagens da Bíblia. Um repórter informou que alguns bombeiros choraram. Foi louvável e merecida a homenagem  promovida pelo Governo do Estado de Minas Gerais através do Corpo de Bombeiros, das Polícias Civil e Militar e da Defesa Civil.

       Seguindo a programação anunciada por um porta-voz do Corpo de Bombeiros mineiro, os sete helicópteros começaram a lançar milhares de pétalas de rosas...! A cena, que já era linda, tornou-se também muito emocionante!      


      As rosas foram doadas por numerosas pessoas com essa finalidade. Penso que os corações de quem perdeu parentes e amigos se ligaram aos corações dos aviadores que, simbolicamente, em nome deles, colocaram as rosas nas sepulturas que só existem nas imaginações de quem sofreu a perda de um ou mais entes queridos. Os corações dos ouvintes - pelo menos o meu - também se ligaram aos dos que ficaram viúvos e órfãos, aos que perderam irmãos e amigos, assim como aos dos aviadores.

      Pilotos de helicópteros operam máquinas de alta tecnologia, admiráveis pela impressionante capacidade de realizarem voos que lembram os colibris.


      Apesar de tão comuns, as decolagens de aviões são fantásticas operações de pesadas máquinas projetadas, construídas e dirigidas em plena consonância com as imutáveis leis da natureza criada por Deus, além de equipadas com motores que geram potência adequada a superar a força da gravidade. Se as decolagens são tudo isso, os voos pairados que os helicópteros conseguem realizar são ainda mais admiráveis – e não tão comuns. É quase inimaginável alguém colocar nos ares pesadas máquinas e fazer com que elas permaneçam lá em cima por muito tempo, sem saírem do lugar e sem caírem. Se uma pessoa saltar dela ou for lançada fora, imediatamente cairá. O mesmo acontece com leves pétalas de rosas...

      Parece que helicópteros são desprovidos de asas, mas na realidade eles são aeronaves com asas rotativas - rotores e pás que são obra prima da indústria aeronáutica.
Como todos os aviadores, pilotos de helicópteros são submetidos a muito estudo e treinamento, mas existem voos que requerem, além disso, muita coragem. É extensa a lista de operações aéreas que só helicópteros realizam.
Lançar flores (foto ao lado) é uma operação fora do comum, especialmente em voo pairado e numa formação de muitos helicópteros. Dependendo das circunstâncias, poderia até ser uma operação festiva, mas no caso acima comentado certamente  os aviadores deram seus corações - mais do que competência - aos mortos e desaparecidos e aos familiares dos mesmos.



Abro um parêntese: Esses aviadores tem muita experiência em resgate, tendo salvo numerosas vidas em diferentes locais e ocasiões, inclusive lá. 
Nessa tragédia, porém, foi estarrecedor o número de desaparecidos. Por isso, os helicópteros tiveram de transportar corpos  (pendurados, dentro de containers especiais),  levando-os desde o lamaçal onde estavam soterrados  até o local apropriado ao reconhecimento médico-legal dos mesmos. Esse procedimento é importantíssimo para as respectivas famílias, por todos os motivos. As fotos ao lado mostram cenas macabras, de defuntos voando sobre a área em que suas vidas foram tragadas. As muitas dezenas de cadáveres em voo - vistos ao longo de vários dias - comprovam o incalculável valor de cada ser humano e a consideração devida aos familiares.  Fecho o parêntese.

       Mais de 300 pessoas morreram no rompimento da barragem (em 25.1.2019), mas até 18.2. só 169 mortes haviam sido confirmadas, estando 151 “desaparecidos”.  São vítimas de uma tragédia que poderia ter sido evitada, segundo afirmam alguns.

   -    1985  (há 34 anos)
Balões lançados por bombardeiros sobre cidades da Holanda
 Ao apreciar as pétalas de rosas “caindo do céu” (como disse a locutora da tevê) lembrei-me da Holanda, onde vi, em 1985, uma esquadrilha de aviões ingleses - bombardeiros e caças da 2ª Guerra Mundial - lançando balões sobre Rotterdam, onde eu me encontrava. Meu acompanhante - um lustre rotariano holandês - vendo meu espanto disse-me que aquilo era uma comemoração histórica. E explicou:
 

      Quando os alemães (no tempo de Hitler) invadiram a Holanda, eles despojaram o povo, que ficou carente de quase tudo. Por isso, no inverno de 1945, os ingleses realizaram uma corajosa e humanitária missão: mandar da Inglaterra uma esquadrilha de bombardeiros (Lancaster) escoltados por caças (Spitfire) para lançarem páraquedas (contendo alimentos enlatados, roupas e medicamentos) sobre cidades litorâneas. Com antecedência avisaram os alemães para que não atirassem nos aviões – voando a baixa altura e com velocidade reduzida. Foram atendidos.

      A data (daquele comemoração) foi escolhida como parte das comemorações do 40º aniversário do “Dia da Libertação” – quando os exércitos “Aliados” expulsaram da Holanda os alemães que tanto mal lhe causaram.


      Para mim, foi um show aéreo de rara beleza, que deixou uma nuvem de lindos balões com as cores da Inglaterra e da Holanda – azul, branco e vermelho. Vibrei ao apreciar, roncando e voando, famosos aviões de guerra que eu planejava ver - silenciosos e paralisados - num museu em Londres.   

      O trânsito parou e descemos do carro. Vi gente chorando na rua e, em prédios, acenando para os pilotos dos aviões que passavam em voo rasante. Foi fantástico!

      Pois bem, no dia seguinte um jornal holandês informou que um comandante de bombardeiro declarou (no regresso à Inglaterra) que sempre lançou bombas a grande altura para destruir (sobre a Alemanha), mas desta vez, lançando páraquedas numa operação humanitária, chorou de emoção ao ver pessoas correndo, com as mãos para cima, em busca de algo tão importante para suas vidas... O coração do calejado guerreiro, comovido, ligou-se aos de quem ele estava ajudando...



Abro um parêntese: Esse evento marcou, para mim, o Intercâmbio de Grupos de Estudos do Rotary International do qual eu fazia parte liderando a equipe de brasileiros - 3 do Ceará, 1 do Piaui e 1 do Maranhão. Cada um de nós foi hóspede de uma família em sete cidades holandesas ao longo de um mês. Em cada cidade falei sobre o Brasil no Rotary Club local.



Na foto (de 1985) estou conversando com o responsável pelo excelente programa sócio-cultural  que nos foi oferecido. Em 1986 hospedamos seis holandeses (bolsistas da Fundação Rotária) que nos visitaram nos três Estados.  Fecho o parêntese.
  
   -   1953 (há 66 anos)
Avião do Aero Club joga flores em cemitério de Parnaíba
As pétalas de rosas lançadas por helicópteros em Brumadinho me trouxeram outra recordação: em 1953, em Parnaíba, um avião de treinamento jogou flores, no Cemitério, sobre quem acompanhava o enterro do fundador do Aero Club local  -Alberto de Moraes Correia. Ele era meu querido sogro. Chorei de emoção.

O belo gesto - do piloto Ivan Loureiro -  ficou congelado em minha mente.


Abro um parêntese: 34 anos depois (em 1987) ele era o conceituado empresário que foi eleito Presidente do Rotary Club de São Luís no mesmo ano (1987-88) em que fui eleito Governador de Distrito do Rotary International que abrange os clubes  do Ceará, Piauí e Maranhão. Nessa função tive o prazer de visitar o clube presidido pelo distinto companheiro. Recordando com ele o fato, percebi que o coração do jovem instrutor estava ligado ao do falecido amigo - que ele homenageou lançando flores sobre sua sepultura...
Na foto ao lado estou hasteando a bandeira do Rotary Club de São Luís a pedido do presidente - Ivan Loureiro - em seu sítio nos arredores da capital maranhense, na reunião de companheirismo que ele promoveu numa manhã de domingo.  Fecho o parêntese.

       Helicópteros dos bombeiros de Minas Gerais (2019), aviões de guerra em tempo de paz na Holanda (1985) e avião de treinamento em Parnaíba (1953) são, de igual modo, máquinas motorizadas. Eles só voam quando um piloto assume o comando.

      Os aviadores que fazem suas máquinas voarem tem competência, coragem e outros atributos, mas todos têm algo em comum: um coração que se comove.

       Peço as bênçãos de Deus para todos os aviadores, a quem muito admiro.

O coração de Santos-Dumont
        
       O “Pai da Aviação” contristava-se com o fato de aviões terem sido utilizados para destruição e mortandade na Grande Guerra (1914-1918). Tendo sua morte ocorrido em 1932, ele não chegou a ver os horrores da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), quando foi  extraordinário o progresso tecnológico da aviação militar e a respectiva produção, que atingiu números dantes inimagináveis.

Pois foi no auge da guerra - em 24.10.1944 - que um escrínio dourado com o coração de Alberto Santos Dumont foi entregue ao Ministro da Aeronáutica (Salgado Filho) pelo presidente da Panair do Brasil (Paulo Sampaio) em solenidade no Rio.de Janeiro.

      O citado escrínio é uma esfera dourada (foto) contendo uma esfera de cristal com o coração mergulhado em líquido apropriado. O artístico objeto é sustentado por uma estatueta (em bronze) de um homem alado com os braços erguidos, em pedestal de mármore sobre coluna de jacarandá com capitel folheado a ouro, com alças de metal dourado e um cofre com o atestado sobre a autenticidade do coração e um poema de Oliveira Ribeiro Neto inspirado nessa homenagem.

O evento foi amplamente noticiado pela imprensa e registrado na “Panair em Revista”. Nela constam comentários de vários jornais, dos quais transcrevo os seguintes:
O Globo: “Entre as comemorações do Dia do Aviador é por certo a mais expressiva e venerável a da entrega do escrínio em que a ciência conservou, através do desvelo de alguns médicos paulistas, o coração de Santos-Dumont. Esse depósito que as autoridades da Aeronáutica vão recolher com tamanha emoção e silêncio oferece a beleza estática de uma relíquia que se fez símbolo de uma vida que tanto engrandeceu ao Brasil e legou ao mundo uma das maiores conquistas do espírito humano.”

Em “A Manhã” o escritor Berilo Neves escreveu: “Vai ser entregue às autoridades da Aeronáutica o coração de Santos-Dumont. A preciosa relíquia, conservada ciosamente por uma empresa particular, há de ter o único destino que lhe cabe: o de ser guardada pela Nação Brasileira, a cujo patrimônio moral pertence...”

O “Correio Paulistano”:  “...Uma cerimônia, dentre todas as que se realizarão na capital do país, será profundamente comovedora. Temos todos  notícias da paixão que se arraigou no generoso coração de Santos-Dumont, ao ver o aparelho que idealizara para o transporte dos povos, transformado numa arma de aniquilamento e de morte; pois bem, esse mesmo coração, que se conserva embalsamado, será hoje, num precioso escrínio, entregue pelo presidente da Panair ao sr. Salgado Filho, afim de que figure no Museu da Aeronáutica, do Rio de Janeiro. Rende-se ao conquistador dos ares, desta forma, a suprema homenagem que lhe poderia ser prestada, associando-se num mesmo ato as ideias de patriotismo e de respeitosa veneração.”

Reflexões

      Faço as seguintes reflexões sobre o assunto acima exposto:


1. Foi em solo da Europa (Paris) que o brasileiro Santos Dumont correu em seu “14-bis” e o fez voar - decolando com sua própria força motriz, tornando-se o 1º ser humano a conseguir essa façanha. Por isso ele é considerado o “Pai da Aviação”.

2. A Panair foi a 1ª empresa brasileira a estabelecer linhas regulares de navegação aérea ligando o Brasil à Europa, e, de lá, ao Oriente Médio. Merece destaque o fato de que ela operava com aviões dos tipos mais modernos de suas épocas, cujos pilotos tinham qualificação profissional idêntica aos melhores do mundo.

Presto homenagem póstuma ao citado presidente da Panair, a quem o Brasil muito deve pelas suas realizações em prol do desenvolvimento da Aviação Comercial. Ele e meu pai mantinham relações de amizade e eu tive a honra de conhecê-lo pessoalmente, por ter sido a Panair representada ao longo de muitos anos pela firma Celso Nunes. Quando ocorreu o fato acima comentado, fazia apenas um ano do início de minha vida no comércio – há 75 anos.

Trazendo em 2019 este assunto ao conhecimento dos leitores de meu blog,  faço-o na esperança de que não seja ignorada pela atual geração a nobre iniciativa de Paulo Sampaio - visando a digna preservação do coração de Santos-Dumont.


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            Fortaleza, Fevereiro de 2019                                  Jimmy Clark Nunes

Um comentário:

  1. Um texto a priore despretencioso mas que se revela precioso em fatos históricos abundantes em sentimentos e nostalgia. Parabéns ao nobre amigo Jimmy claro Nunes pelo presente nos oferece dispondo um pouco de suas memórias. DPC e piloto Alves.

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