sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

SAUDADE ALEGRE

SAUDADE sugere melancolia, tristeza ou nostalgia - sem alegria. Tratando-se, porém, de pessoas ausentes que estão felizes ou de fatos gratificantes ocorridos há décadas  mas que conservo vívidos na memória, o que sinto é saudade alegre.


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SAUDADE ALEGRE
                                                                                  James Kelso Clark Nunes

A palavra saudade sugere melancolia, tristeza ou nostalgia, sem alegria.  Quando, porém, ela se refere a pessoas queridas que estão ausentes mas felizes e fazendo o que gostam  – o que sinto a seu respeito é saudade alegre. Sinto o mesmo  quando lembro muito bem de fatos gratificantes ocorridos comigo há décadas.

Para oferecer aos internautas que vierem a ler meu modesto blog passo a relatar algumas experiências que tive a alegria de viver há 72 anos mas que guardo na mente e no coração com a nitidez de algo vivido há apenas 72 dias...! Assim, com a idade de 91 vou contar (enquanto posso...) episódios do tempo de meus 19.  

MARCOS E MARCAS

Os dias de Natal de três anos seguidos (que estão sete décadas distantes de 2018) tornaram-se marcos cronológicos e marcas sentimentais na trajetória de minha vida. Tenho saudade alegre deles. São os seguintes:

O de 1945, que marca o início de meu namoro com a Carminha; o de 1946, que marca um lindo “Natal Branco” (comentado abaixo); e o de 1947, que marca o noivado dos jovens (foto) daquele namoro que em 1949 resultou em casamento (há 69 anos).   
O mais brilhante e que tem o maior significado é o de 1947.

JOVEM DO PIAUÍ NA AMÉRICA

Em Parnaíba, em 14 de Setembro de 1946, embarquei num bimotor Douglas DC-3 (foto 1) para Belém. Após a obtenção do visto do Consulado Americano para eu estudar na América, embarquei para Nova York num quadrimotor Douglas DC-4 (foto 2), que escalou em Caracas (Venezuela), Port of Spain (Trinidad) e San Juan (Puerto Rico).
Após alguns dias em Nova York admirando a grandiosa “Capital do Mundo” (foto), fui a Toronto, Canada, onde   visitei a Coleman, cujas  lanternas tipo Petromax a firma de meu pai importava para vender no Nordeste. De lá voltei para a América.
 Meu destino era a cidade de Flint  (Estado de Michigan) a fim de estudar no Instituto de Tecnologia da General Motors (GM Tech) - 
num curso de mecânica automobilística e marketing programado para mim por recomendação da GM do Brasil, da qual a firma Celso Nunes  era revendedora Chevrolet (foto). É inestimável o valor do presente de meu pai  (que custeou tudo), além de abrir mão de meu trabalho por tanto tempo.

Completei 19 anos em 9 de Novembro – dia em que a beleza da neve cobrindo tudo de branco compensou a saudade  -  nostálgica  -  que me envolveu. Na foto ao lado estou pisando em neve, no chão que ficou branco. No começo de Dezembro um colega de estudos - Ken - me convidou a acompanhá-lo numa viagem a Cincinnati, Ohio. Lá ele iria passar o Natal com a família de um ex-professor e encontrar uma amiga deles. Ela era uma das namoradas do meu colega, que tinha outra em Nova York. Ele planejou passar o Natal com uma e o Ano Novo com a outra. O motivo era sério, pois seu propósito era escolher uma delas para - oportunamente - ficar noivo. Ele tinha 21 anos e era filho de um diretor de uma das fábricas da GM.  

NATAL BRANCO (“White Christmas”) - 1946

No amanhecer de 24 de Dezembro de 1946 ele foi me buscar num carro novo que recebeu de presente dos pais. Era um lindo Pontiac coupê de duas portas e duas cores - branco perolado e azul. Equipado com rádio, ele nos ofereceu o ambiente propício para valorizarmos o Natal, sempre ouvindo belas músicas natalinas.
O cenário que pude contemplar foi deslumbrante e algo nunca imaginado por mim anteriormente, pois a neve não parou de cair enquanto estivemos na estrada, felizmente em quantidade suficiente apenas para manter tudo coberto por um manto cuja brancura - aos meus olhos - sugeria pureza.   

Ao ver uma enorme composição ferroviária - cuja cor escura contrastava com o imenso campo de neve que separava a rodovia da ferrovia - lembrei-me de “Gato Preto em Campo de Neve”. Trata-se do livro que li antes de viajar para o país visitado em 1941 pelo admirável romancista Érico Veríssimo a fim de escrever o que na época foi considerado o melhor livro de viagens até então escrito no Brasil.

O Ken dirigiu até meio dia e, após o almoço, me pediu para dirigir umas horas.
Com uns vinte minutos, porém, percebi que eu não conseguiria atingir a alta velocidade que ele vinha mantendo e isso atrasaria nossa chegada prevista para o final da tarde. O motivo era a estrada - lisa como sabão - que me apavorou. A prudência prevaleceu sobre o meu constrangimento.  Deus me proporcionou a força do bom senso a fim de me habilitar a confessar minha incapacidade e desistir do imenso e raro prazer de dirigir um carro novo numa excelente estrada americana. Meu colega compreendeu, reassumiu a direção e chegamos na hora certa. Ótima e pitoresca viagem!
Abro um parêntese:  Refletindo hoje sobre o assunto, percebo que aquela experiência me ensinou o seguinte: na vida é mais feliz quem consegue dominar prazeres e tentações – de qualquer natureza.  Isso me lembra um velho amigo e “irmão em Cristo” que tinha um avião e pilotava com muita prudência. Sabendo que muitos aviadores corajosos morreram ainda jovens, ele dizia: “não sou um piloto corajoso porque quero ser um piloto idoso”.    Fecho o parêntese.

A receptividade de nossos anfitriões (o casal amigo do Ken), a namorada dele e a amiga que ela levou para ser meu par naquela festa natalina americana foi um presente de Deus para mim. Eu estava em Cincinnati mas meu pensamento em Parnaíba. A ausência aumenta o valor das pessoas cujas presenças são desejadas.

No dia seguinte o Ken e eu fomos passear pela cidade. Senti muita vontade de ir a uma igreja mas como ele nunca havia entrado num templo católico, sua reação foi dizer que não sabia onde encontrar uma. Não deu tempo de argumentar, pois ao dobrarmos a esquina o que vimos foi uma linda igreja...! Enquanto me sentei num banco, rezei um pouco, agradeci a Deus e refleti sobre o nascimento de Jesus, meu amigo ficou andando e observando o ambiente, respeitosa e silenciosamente.

Abro um parêntese:  Em Detroit ele me apresentou a seu pai, que antes da 2ª Guerra Mundial foi um dos diretores da GM na Alemanha, onde a empresa sofreu o maior prejuízo de sua história; o governo nazista obrigou-a a reinvestir os lucros na expansão da mesma e, sucessivamente, a substituir os diretores por alemães. Na guerra a grandiosa fábrica americana produziu muitos produtos que nas forças armadas alemãs foram utilizados contra as tropas aliadas, até ela ser destruída por bombas lançadas por aviões americanos...! Eles não previram o advento do satânico Hitler. Hoje quando ouço notícias de empresas estrangeiras construindo fábricas em outros países, lembro desse fato. Espero que a história não se repita.  Fecho o parêntese.

De Cincinnati o Ken foi para Nova York em seu carro; eu fui de ônibus para outras cidades de Ohio. Em Akron visitei o centro de pesquisas da Firestone e peguei num produto novo - espuma de borracha, que viria a se tornar popular ao redor do mundo.
De Cleveland viajei para Detroit  no avião do tipo mais moderno da época: Lockheed Constellation. Pertencia à Eastern Air Lines. A foto é de um da Panair, que adquiriu Constellations idênticos para sua linha Brasil-Europa.

Abro dois parênteses:  1 - Visão comercial - Em 1948 a Panair convidou a firma Celso Nunes para agenciá-la em Fortaleza e meu pai conseguiu uma linha diária de Constellations ligando-a ao Rio. A ideia foi um grande sucesso sob todos os aspectos.

2 -  “Air Force One” - Foi exatamente um Constellation o avião escolhido em 1953 por Eisenhower para a presidência dos Estados Unidos. Fecho os parênteses.                              

ANO NOVO DE 1947 – Chicago

A convite de meus primos Septimus e Bruce Mendonça Clark, que estudavam em Chicago, fui passar com eles a entrada do Ano Novo de 1947.

1ª foto: Bruce, eu, Rocha, uma amiga deles e Septimus.  2ª foto: em pé, da esq. para a direita: eu, Bruce, Septimus e dois colegas deles; sentado (na lambreta coberta de neve) outro colega - Fernando Santos Rocha. Ele e eu nos tornamos amigos quando a convite de meus primos ele foi morar em Parnaíba depois de formado e passou a fazer parte da “Casa Ingleza”, da qual veio a ser diretor. Ele é um homem de bem. 


Meus primos (ambos de saudosa memória) eram pouco mais velhos do que eu. Eles me levaram a um espetáculo de rara beleza, para vermos um show da ex-campeã mundial de patinação no gelo – Sonja Henie. Eu já havia assistido filmes de Hollywood em que ela aparecia, mas nunca imaginei vê-la ao vivo. De repente o Bruce, brincando, me disse que meus olhos estavam para sair...! Não é para menos um piauiense de 19 anos ver, bem perto, a linda norueguesa “flutuando” em graciosa exibição artística.


Foi também na vibrante cidade às margens do grande Lago Michigan que tive a oportunidade de sentir o maior frio (com forte ventania) –  compensado pelo calor humano de meus anfitriões. Num dia nevou mais de onze horas , deixando um manto de 10 cm de neve. É o que diz o jornal de 30.12.1946 cujo recorte guardo como simples lembrança.

Abro dois parênteses:

1 - Reator nuclear  -  Poucos anos antes, foi na Universidade de Chicago que Enrico Fermi construiu o 1º reator nuclear de urânio, baseado na desintegração dos átomos - de onde surgiu a bomba atômica (lançada em 1945 sobre o Japão). O grande físico Fermi (Prêmio Nobel de 1938) nasceu em Roma em 1901 e faleceu em Chicago em 1954.

2 - Rotary International - Muitos anos depois, lendo sobre Paul Harris - o fundador do Rotary International - fiquei sabendo que a última passagem de ano (1946/47) desfrutada por ele foi em Chicago, quando eu estava lá
Ele faleceu 27 dias depois, em  Janeiro, aos 78 anos. Nascido em 19.4.1868, ele fundou a nobre instituição em 23.2.1905.  Uma das últimas fotos em que ele aparece é dando comida para um passarinho no jardim de sua casa, estando ele bem agasalhado. Um símbolo de quem se agradava em servir, “dando de si antes de pensar em si”.  Em 1951 ingressei no Rotary. Em 1987-88 (foto) tive a honra de ser Governador do Distrito 4490  (Rotary Clubes do Ceará, Piauí e Maranhão) e desempenhei várias outras missões rotárias no Brasil e no Exterior. Eu gostaria de ter conhecido pessoalmente aquele benfeitor da humanidade.   Fecho os parênteses.

UNIÃO DO ÚTIL AO AGRADÁVEL

Em meado de 1951 viajei a Nova York e Detroit a serviço da firma de meu pai, que me confiou uma grande responsabilidade: a de escolher automóveis e, principalmente, peças e acessórios que seriam importados pela filial de Fortaleza. A duração seria de poucas semanas.


Tive a agradável companhia da Carminha, que ganhou de seu pai o custo da viagem dela. Nós já tínhamos um filhinho, de meses, que ficou com os avós maternos. Ela me ajudou muito e compreensivamente se conformou em só me ver depois do expediente comercial, deixando-me livre para trabalhar.
Aproveitamos bem, principalmente nos fins de semana. Consideramos aquela viagem como nossa 2ª Lua de Mel, compensando a simplicidade da 1ª – que, apesar de maravilhosa, foi muito modesta, na pequenina Amarração.
Um amigo (funcionário da GM) nos proporcionou um passeio em torno de Manhattan, num Cadillac conversível (no qual eu e Carminha posamos em frente ao hotel em que nos hospedamos). A foto, valendo mais de 1.000 palavras, foi tirada por ele. Obs.: As fábricas de veículos Chevrolet, Pontiac e Cadillac são integrantes da "holding" GM.
FELIZ COINCIDÊNCIA – NOVA YORK, 1951

Por feliz coincidência o Ken - aquele colega com quem viajei de Flint a Cincinnati num dia de Natal  - também havia se casado e morava em Nova York. Sua esposa (Virginia) era uma de suas namoradas naquela época e foi a eleita de seu coração para, juntos, constituírem família. A foto ao lado mostra ela, a Carminha, eu e a filhinha deles. O Ken tirou a foto.  Para mim foi muito agradável o encontro em que eu e ele, como felizes chefes de duas famílias, tivemos a alegria de recordar o tempo em que éramos colegas no GM Tech  (1946/47).

          Os fatos acima relatados se encaixam no meu conceito de saudade alegre.

PERGUNTA EM 2018 SOBRE FATO OCORRIDO EM 1946

Comecei este com a intenção de contar histórias do tempo de meus 19 anos, o que em parte já fiz. Agora, porém, vou contar uma de meus 91 (foto), mas que é coerente com a intenção inicial: Em 9.11.2018 meus filhos e familiares me valorizaram com um programa muito superior aos de um simples aniversário. Com antecedência me pediram para responder perguntas que me seriam feitas na ocasião. Concordei, apenas pedindo que me enviassem as perguntas até a véspera, por e-mail. 

          Ao final, segundo disseram, todos gostaram. Quem mais gostou, porém, fui eu. É grande a satisfação de reviver as histórias enquanto elas são contadas...

          Dada a naturalidade com que fui respondendo, uma filha me fez uma pergunta que lhe surgiu na hora. Coincidentemente, ela focalizou a época a respeito da qual estou a escrever este capítulo (“Saudade Alegre”), pois a pergunta se referia ao tempo de meus 18 e 19 anos. Ela perguntou se eu tive medo quando, sozinho, fui estudar num país desconhecido (aliás o maior do mundo) e onde até a língua era diferente.

          Eu nunca tinha pensado nisso mas não demorei a responder que não tive medo. Refletindo sobre o assunto e achando que a pergunta era cabível, pois seria natural que o medo me envolvesse naquelas circunstâncias, percebi o que aconteceu para neutralizar tal sentimento e esclareci: foi uma promessa de Deus, contida na Bíblia.

PROTEÇÃO, LONGEVIDADE E SALVAÇÃO

Essa preciosidade me foi oferecida por minha mãe. Ela copiou numa folha de papel, à mão, um Salmo e me pediu para lê-lo todo dia e para levá-lo sempre comigo até eu voltar no ano seguinte. Prometi e cumpri.  A foto ao lado (de meses antes de minha viagem) mostra Mamãe e Papai entre cinco dos seis filhos. Sou o caçula dos homens - o último à direita. Um dia, já na América, não precisei mais do papel manuscrito para recitar o maravilhoso salmo, pois o decorei.

          Confiei em Deus e tenho a honra de declarar que fui agraciado com a proteção, a longevidade e a salvação mencionadas no referido salmo. Às vésperas de meus 53 anos (em 1980), Deus me concedeu a maravilhosa graça da fé em Jesus Cristo. Com ela, passei a ter a  certeza de que ao falecer - deixando meu corpo na Terra - estarei para sempre no Céu, com Cristo. Que certeza confortadora!

       O medo da morte, compreensível e natural nos seres humanos, é atenuado ou eliminado pela segurança dos crentes - confiados no amor, no poder e na misericórdia do grandioso Deus Triuno – Pai, Filho e Espírito Santo.

       Ao me oferecer o salmo por ela copiado e me fazer aquele pedido, minha querida mãe foi utilizada por Deus como instrumento d’Ele para aumentar meu conhecimento a Seu respeito e, consequentemente, a confiança que eu já tinha n’Ele - para meu benefício físico e espiritual, tanto naquela época como hoje.
Mamãe me emocionou com o belo gesto e o carinho com que agiu para proteger o filho (foto de 1946) em terras estranhas. Sua iniciativa atingiu o alvo, graças a Deus. Tenho saudade alegre disso. 

NATAL E ANO NOVO

Compartilhando o assunto com quem vier a ler histórias que ainda posso contar, peço a Deus que lhes conceda muitas bênçãos, como fez comigo.

         Tenho saudade alegre, também, da entrada daquele ano - 1947 - em que eu tinha 19 anos, conforme comentei no início. Agora aos 91, desejo a todos os leitores desde modesto blog um Alegre Natal e um Feliz Ano Novo.

       Aos que já são salvos, desejo que o novo ano lhes proporcione mais crescimento espiritual e fortalecimento da fé em Cristo. É o mesmo que peço para mim e para minha esposa, que em 2018 completamos 38 anos de salvos para a vida eterna - ao longo dos quais temos sido alvos de muitas e imerecidas bênçãos de Deus.

        E aos que ainda permanecem na ilusão de que basta conhecer vagamente o Filho de Deus, desejo que em 2019 possam crer efetivamente no único mediador entre Deus e os homens - Jesus Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida.

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DEDICATÓRIA

Com este capítulo presto homenagem a meus pais, falecidos há 29 anos (Mamãe) e 25 (Papai). 

O amor com que os amei em suas vidas não diminui com a passagem do tempo.

3 comentários:

  1. Obrigado, meu irmão, por compartilhar momentos tão significativos de sua vida, não deixando de reconhecer nestes a benignidade do SENHOR. Um abraço. Elder

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  2. Meu caro tio Jim,
    Neste momento estou sentindo a sua definição de "Saudade Alegre" lembrando de momentos inesquecíveis, embalados pelas conversas maravilhosas na varanda de sua casa da Av. Santos Dumont.
    Um carinhoso abraço.

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  3. Meu caro tio Jim,
    Estou sentindo agora a sua definição de "Saudade Alegre", relembrando as agradaveis conversas na varanda de sua casa na Av. Santos Dumont

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