domingo, 9 de julho de 2017

MARCOS E MARCAS DE NAUFRÁGIOS


Naufrágios em tempos de guerra e de paz  deixaram marcos e marcas que se tornaram indeléveis em minha mente. Ofereço às novas gerações o pouco que escrevi sobre alguns deles. Os leitores farão bem se vierem a refletir sobre assunto tão impressionante. 




MARCOS E MARCOS DE NAUFRÁGIOS


Aos dez anos (1ª foto), quando embarquei no “Affonso Penna”, um simplíssimo navio de passageiros me pareceu um palácio flutuante. Nele (2ª foto) fiz  minha 1ª viagem marítima, acompanhando Mamãe e minhas irmãs Ena e Sônia, em 1938. Saímos da baía maranhense de Tutoya  no dia 16 de Fevereiro e, dez dias depois, entramos na linda baía da Guanabara, no Rio de Janeiro.  Detalhe geográfico:  entre  as  cidades  de  Parnaíba  e  Tutoya,  e  vice-versa, as viagens eram feitas em navio fluvial, passando pelo enorme delta do rio Parnaíba e suas pitorescas ilhas. Foi muito aprazível a navegação que desfrutamos em alto-mar,  enquanto  as  escalas  nas  cidades  costeiras  enriqueceram nossa  instrutiva experiência.
 Nele também embarcou a menina de sete anos que futuramente haveria de ser minha namorada, noiva e esposa. Na época nem eu nem ela poderíamos imaginar isso, porém já éramos colegas de brincadeiras na praia de Amarração - onde anualmente algumas famílias de Parnaíba passavam férias, inclusive as nossas, que eram amigas. Ela viajou em companhia de seus pais e outros familiares. Se nenhuma recordação agradável eu tivesse daqueles dias felizes, só o fato da Carminha ter estado na viagem marítima que seria a primeira de outras que, juntos, fizemos no Brasil e no Exterior ao longo de nossos 67 anos de casados – já faria dessa viagem um brilhante marco cronológico e uma preciosa marca sentimental na trajetória de minha vida. 

AFFONSO PENNA  -  Decorridos cinco anos desde minha viagem naquele inesquecível navio, ele foi torpedeado por um submarino...! A  lastimável tragédia ocorreu quando ele navegava no litoral da Bahia em Março de 1943.  Pior ainda, o “Affonso Penna” (foto abaixo) foi apenas mais um dos numerosos navios brasileiros massacrados no Atlântico, onde muitas centenas de nossos patrícios morreram, especialmente em 1942 - quando os afundamentos foram tantos que um clamor nacional precipitou a entrada do Brasil na 2ª. Guerra Mundial...!  
E assim outro marco e outra marca foram fincados em minha memória: o marco do período da história da humanidade manchado pelas figuras sinistras de Hitler,  Mussolini e Hirohito; e a marca de uma grande lamentação pelas pessoas traiçoeira e cruelmente vitimadas quando pacificamente viajavam pelo mar.

Lamentavelmente, fatos terríveis como estes vão caindo no esquecimento dos brasileiros. Tenho encontrado homens inteligentes e cultos, da geração de meus netos, que chegam a duvidar da veracidade do que lhes relato sobre o assunto. Felizmente, porém, surgiu em 2007 o livro “O Brasil na mira de Hitler: a história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas”. O autor, Roberto Sander,  e a editora, Objetiva,  prestaram um valioso serviço ao país, merecendo os parabéns pela oportuna e necessária iniciativa. Na fl. 238 encontra-se um atroz registro sobre o “Affonso Penna”; e na fl. 97 a infausta relação dos 34 navios brasileiros afundados entre os anos de 1941 e 1944, causando a morte de 1.081 pessoas... Deplorável realidade!  

CLEMENT - A 2ª viagem marítima que tive o prazer de realizar foi no “Pará”. Nele, Mamãe e eu  embarcamos no Rio em 2 de Abril de 1938, chegando em Tutoya dez dias depois. Minha aventura de navegar em alto-mar, indo à antiga Capital do Brasil e voltando à querida Parnaíba (via Tutoya), foi registrada num “Diário”. Nele consta - e se não constasse eu me lembraria - o seguinte detalhe: dentre os navios que vi ancorados ao lado do “Pará” quando no dia 10 chegamos a Fortaleza, o que mais me chamou a atenção foi o “Clement”. Eu conhecia bem o nome desse “navio  de longo curso”, pois a firma de meu pai já havia importado mercadorias e exportado cera de carnaúba por intermédio dele. Esse “cargueiro” pertencia à Booth Line, empresa cuja filial de Parnaíba era administrada por ingleses que eram amigos de pessoas de nossa família.

Pois bem, transcorridos dezessete meses desde que eu vibrei ao apreciar o “Clement” ancorado em águas cearenses, ele  foi afundado entre o Brasil e a África!   Apenas 29 dias haviam passado desde que, em 1.9.1939, a  2ª. Guerra Mundial começara...  A constatação de que as forças armadas da Alemanha nazista não atacavam somente na Europa, mas também perto de nós, foi preocupante para os brasileiros, inclusive nós nordestinos. Com tal afundamento ficariam indeléveis em minha mente o marco de perturbação da paz e a marca da revolta do menino que eu era.

GRAF SPEE  -  O conflito que envolveria as principais nações da Terra continuava a arder, tornando sombrias as expectativas do futuro. Diariamente meu pai ouvia com atenção os noticiários radiofônicos, apesar de tão ruidosos naquela época, e explicava aos filhos o que havia de mais importante. Ele também conversava com os ingleses da Booth, que eram muito bem informados. E ainda lia revistas americanas e jornais do Rio, trazidos pelos aviões da Pan American e da Panair, que ele representava.

De repente, no dia 13 de Dezembro do ano em que a guerra teve início, uma estarrecedora notícia: importante batalha naval na costa do Uruguay...! Intenso combate foi travado por três navios ingleses - cruzadores leves -  contra o “Graf Spee” -  moderno e poderoso “encouraçado de bolso” alemão.  Apesar da enorme superioridade deste, todos eles sofreram extensas avarias, além de numerosas mortes e ferimentos nas respectivas tripulações.  Após  dramática  luta, um dos navios  ingleses teve que se retirar para as Malvinas, enquanto o vaso de guerra alemão se refugiou em Montevidéu.

Como os uruguaios não poderiam permitir uma demorada permanência da belonave em seu território, sob pena de prejudicar a neutralidade do país, surgiram complexas gestões diplomáticas e militares, que por sua vez geraram grande inquietação internacional. Verdades e mentiras propagavam o deslocamento de reforços navais convergindo para a área, aumentando a tensão. Para a Inglaterra, era vital a destruição do mortífero inimigo. E este, finalmente, teve de deixar o porto rumo ao Atlântico, onde os cruzadores ingleses novamente haveriam de enfrentá-lo.

Surpreendentemente, porém, seu comandante decidiu poupar a vida de seus comandados (cerca de mil homens) e evitar o risco de cair em mãos dos ingleses o encouraçado que era uma das preciosas jóias da “Kriegsmarine”. Para isso, ele navegou até um local propício, acompanhado de apenas alguns tripulantes, onde todos desceram para uma lancha que os levaria a Buenos Aires. Minutos depois, uma grande carga explosiva provocou a fragorosa autodestruição do “Graf Spee”...!

Na esteira desses inesperados acontecimentos, ainda viria o seu epílogo: dois dias depois, já na Argentina (em 19.12.1939),  o Capitão Hans Langsdorff cometeu suicídio! É provável que o fanático Hitler e seus seguidores do Nazismo - o Partido Nacional Socialista que se tornou uma desgraça para o mundo e para seu próprio país -  esperassem dele uma bravata para enaltecer a decantada superioridade da raça ariana; agindo, porém, como agiu, o jovem e bravo oficial honrou as tradições da antiga Marinha Alemã e sua cultura militar. 

A “Batalha do Rio da Prata” - como o episódio ficou registrado na história naval -  mereceu grande destaque no livro “Encouraçados e Cruzadores do III Reich”, lançado em 1992 pelo meu ilustre amigo Argos Vasconcelos, de saudosa memória. Além de membro da Academia Cearense de Letras, ele foi Governador do Distrito do Rotary International que abrange os clubes rotários do Maranhão, do Piauí e do Ceará – função essa que igualmente tive a honra de exercer poucos anos depois dele. Entre as fotografias que ilustram o mencionado livro, duas me parecem dignas de reflexão: uma mostrando o citado comandante alemão fazendo a continência naval (em vez da saudação nazista..., como outros presentes ao ato) durante os funerais dos tripulantes do “Graf Spee” que foram sepult ados em Montevidéu; e a outra em que são vistos oficiais e marinheiros daquele encouraçado – no seu próprio funeral, em Buenos Aires.

O afundamento de um formidável navio de guerra alemão em águas sul-americanas - logo nos primeiros meses das hostilidades - me deixou, aos doze anos, o marco da época em que vi e ouvi homens temerosos de que as labaredas da guerra chegassem ao Brasil; e a marca do zelo de meu pai, aproveitando  para ensinar os filhos e para nos preparar para o futuro - com dignidade.

HOOD - Um ano e meio após o afundamento do “Graf Spee”,  o impacto de uma aterrorizante notícia veio, em 24.5.1941, trazer desalento a quem já temia a fúria de Hitler e seu poderio militar: “os alemães afundaram um dos maiores navios de guerra da Inglaterra”...! Eu tinha apenas treze anos mas me interessei pelo fato, não só porque minha mãe tanto amava quanto conhecia a Inglaterra, onde seu pai nasceu, mas também por ouvir dizer que o “Hood” explodiu e afundou com mais de 1.300 homens no confronto com o “Bismarck” - o maior navio de guerra alemão, novíssimo e superior a qualquer outro. Aquele era antigo mas já fora o maior encouraçado, e ainda era um dos mais poderosos navios ingleses - o que explica o entusiasmo dos alemães decorrente de sua espetacular vitória.

A batalha ocorreu no Estreito da Dinamarca, quando navios ingleses tentavam impedir o super-encouraçado alemão de sair do Mar do Norte e entrar no Oceano Atlântico, onde ele poderia impedir a Inglaterra de receber suprimentos vitais. Em tempos de paz ela dependia muito do abastecimento normalmente transportado pelos mares; agora em guerra, essa dependência multiplicou-se, tornando-se premente; sua eventual falta corresponderia a uma catástrofe de proporções inimagináveis..

O mundo assistia a uma desproporcional luta de vida ou morte: de um lado um monstro inescrupuloso e impiedoso, sedento de conquistas a qualquer preço e militarmente preparado para  esmagar quem lhe resistisse;  do outro lado, um reino unido em torno de suas tradições culturais e de seu desenvolvimento sócio-econômico pacífico. Desde o início, submarinos alemães passaram a  torpedear navios mercantes ingleses, matando gente e afundando milhares de toneladas de alimentos, armas e materiais de que tanto a Inglaterra necessitava.

Muitos países já haviam sido dominados pela Alemanha, culminando com a rendição (em Junho de 1940) da França, que fora a grande aliada da Inglaterra para confrontar o diabólico projeto de  Hitler. A megalomania deste encontrava-se no auge, graças à relativa facilidade com que  Polônia, Noruega, Bélgica, Holanda e França passaram a ver  bandeiras alemãs tremulando em suas cidades, além da Áustria e da Tchecoslováquia - ocupadas antes mesmo da guerra começar. Parecia viável aos alemães a conquista das ilhas onde tem sede o Reino Unido da Grã-Bretanha. Elas eram cobiçadas pelo III Reich, cujo Fuhrer tinha o sonho  de dominar toda a Europa, como base para a posterior conquista de outros continentes. E agora ele poderia concentrar todo o seu poderio bélico contra a Inglaterra sozinha...

Para invadi-la pelo mar e por terra, porém, a força aérea desta teria de ser previamente posta fora de combate, pois a RAF impossibilitaria ou dificultaria demais o  desembarque dos alemães em praias inglesas. Hitler fez tudo que lhe foi possível para que a Inglaterra se rendesse, inclusive determinando ataques aéreos a Londres e, principalmente, a aeroportos - em intensidade nunca antes vista ou imaginada. Essa brutal e incessante ofensiva  ficou conhecida como a “Batalha da Inglaterra” -  a mais gloriosa luta nos ares já ocorrida no mundo.

Segundo dados de Norman Franks, autor do livro “A Batalha da Inglaterra” (publicado em 1982 pela editora Ao Livro Técnico S/A), na RAF foram sacrificadas 503 vidas enquanto defendiam o país, dentre 2.949 tripulantes que tomaram parte nos combates (inclusive homens de treze nacionalidades além dos ingleses)  e 915 aviões foram destruidos no solo ou derrubados em voo; e na Luftwaffe, 3.089 alemães foram mortos enquanto atacavam aeroportos e cidades inglesas, e 1.733 aviões foram derrubados – entre 10.7. e 31.10.1940. Quando, enfim, Hitler determinou a suspensão dos ataques,  ouviu-se a famosa frase de Winston Churchill - que disse “Never in the field of human conflict was so much owed by so many to so few” (“Na área dos conflitos humanos nunca tantos deveram tanto a tão poucos”).

Diversos livros tem sido escritos relatando os terríveis sofrimentos e estragos causados ao povo inglês pelos aviadores alemães; felizmente, porém, também relatam como os aviadores ingleses e seus muitos aliados revidaram o inimigo - com coragem, patriotismo, competência e perseverança. 

É impossível aquilatar, diante da nova tragédia - o afundamento do “Hood” - a dimensão da perplexidade dos ingleses, sofridos e crescentemente ameaçados. É razoável, todavia, supor que eles ficaram amedrontados e perdendo as esperanças. Nesse momento dramático, eis que aquela mesma voz se fez ouvir. Reagindo enérgica e imediatamente, o Primeiro-Ministro Winston Churchill deu a ordem fulminante: “Afundem o Bismarck”...!  E ela foi reforçada pela obstinada e categórica determinação de absoluta prioridade para seu cumprimento com a máxima urgência.

E assim, em minha trajetória de vida, ficaram gravadas tanto o marco simbolizando a força moral dos ingleses em meio à indescritível adversidade, como também a marca da admirável união de forças de um povo visando proteger e garantir sua liberdade.  


BISMARCK  - O temível e colossal navio, que mais parecia um batalhão de artilharia flutuante, tornou-se o alvo da maior caçada naval já ocorrida. Especulações à parte, não havia dúvida quanto à ampla mobilização de reforços alemães na tentativa de neutralizar os esforços dos ingleses – cada qual utilizando a plenitude de seus recursos bélicos nos mares e nos ares. Ao longo de três dias foram aumentando o pessimismo de uns, o otimismo de outros e as preocupações de todos.  Finalmente, em 27.5.1941, após lutar bravamente em renhida batalha contra uma frota, o “Bismarck” foi destruído, afundando com cerca de 2.200 homens!
Um resumo de algo extraordinário que aconteceu: à semelhança de mosquitos em torno de um elefante, pequenos aviões da RAF - enfrentando pesado fogo antiaéreo - lançaram numerosos torpedos contra o encouraçado, mas ele conseguiu se desviar de uns e resistir a outros no casco blindado.
Ao longo de horas de observação à distância, porém,  aviões de patrulha (Catalina) constataram que o monstro marinho permanecia navegando em um grande círculo, o que levou o almirantado britânico a concluir - acertadamente - que ele estava impossibilitado de manobrar, atingido por um dos torpedos anteriormente lançados... que o golpeara precisamente no leme! A foto abaixo é um desenho representando aquele instante fatal.

Transcorridos 76 anos do episódio, faço duas analogias a respeito:
Na Guerrra de Tróia, o temível e célebre Aquiles foi mortalmente ferido por uma pequena flecha envenenada que o atingiu no calcanhar - segundo a “Ilíada”, de Homero. Se uma grande flecha atingisse o escudo do rei, talvez ela resvalasse sem lhe  causar dano, mas a parte posterior do seu pé era desprotegida. Analogamente, os torpedos que atingiram o casco blindado do encouraçado não lhe causaram danos. Tal como o pedacinho do corpo de Aquiles que ficara exposto - o calcanhar - um pedacinho do temível e célebre “Bismarck” - o leme - foi atingido. O ferimento não lhe foi mortal, mas impediu que ele rumasse para mais  perto da costa da França, para se colocar ao alcance dos aviões da Força Aérea Alemã - que poderiam protegê-lo na feroz batalha que se aproximava.
Cerca de 1.000 anos antes de Cristo, o gigantesco duelista filisteu Golias lançou um desafio às tropas de Israel, que se espantaram e temeram ao vê-lo e ouvi-lo. Segundo a Bíblia, ele tinha a estatura de 2,88 m (6 côvados e 1 palmo), trazia na cabeça um capacete de bronze,  vestia uma couraça de escamas de bronze de 57 k (5.000 siclos), e caneleiras de bronze nas pernas; a haste de sua lança era como o eixo do tecelão...; (1 Samuel 17.4-7). Enquanto isso, um jovem de Belém de Judá - Davi -  foi ao acampamento onde estavam as tropas, para levar pães aos seus irmãos mais velhos. Ouvindo, então, o monstro filisteu desafiar seu povo, dispôs-se a enfrentá-lo. Em vão o rei Saul tentou dissuadi-lo, por ser ele ainda moço, sendo o outro um guerreiro experiente.
A Bíblia relata que Davi disse a Golias: “Tu vens contra mim com espada, e com lança, e com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a cabeça........; e toda a terra saberá que há Deus em Israel. Saberá toda esta multidão que o Senhor salva, não com espada, nem com lança, porque do Senhor é a guerra, e ele vos entregará nas nossas mãos. Sucedeu que, dispondo-se o filisteu a encontrar-se com Davi, este se apressou e, deixando as suas fileiras, correu de encontro ao filisteu. Davi meteu a mão no alforje, e tomou dali uma pedra e com a funda lha atirou; e feriu o filisteu na testa; a pedra encravou-se-lhe na testa, e ele caiu com o rosto em terra. Assim prevaleceu Davi contra o filisteu, com uma funda e com uma pedra, e o feriu e o matou; porém não havia espada na mão de Davi.  Pelo que correu Davi, e, lançando-se sobre o filisteu, tomou-lhe a espada, desembainhou-a, e o matou, cortando-lhe com ela a cabeça. Vendo os filisteus que era morto o seu herói, fugiram.” (1 Samuel 17.45-51).
Golias era blindado, mas não na testa; e foi lá que se encravou a “pedra lisa do ribeiro” arremessada por Davi...! O ferimento não lhe foi mortal, mas nocauteou o gigante tornando-o vulnerável à ação do adversário.
Analogamente, o piloto do pequeno avião que enfrentou o “Bismarck” foi como Davi enfrentando Golias; o torpedo que atingiu o pedacinho não blindado do navio foi como a pedrinha; e o leme do encouraçado foi como a testa do gigante...! 

Entrando para a história, de modo infeliz, 24 e 27 de Maio de 1941 registram os afundamentos de um dos maiores navios de guerra da Inglaterra e o maior, mais novo e mais poderoso da Alemanha – dois expoentes da indústria naval; e, muito pior, registram igualmente as mortes de cerca de 3.500 oficiais e marinheiros vitimados em consequência da aventura tresloucada de 1 pessoa que desonrou a humanidade – Adolf Hitler. Só 3 sobreviventes do “Hood” e 110 do “Bismarck” foram encontrados!  Catastrófico desperdício de vidas humanas...!
A breve existência do navio que era uma das armas mais valiosas do  nazismo para viabilizar seu diabólico plano de dominação do mundo, e que, por isso mesmo, avultava como aterrorizante para os ingleses, deixou em minha adolescência o marco da vitória do bem contra o mal e a marca da esperança.

ARIZONA - Enquanto na Europa e no Atlântico o conflito ia se agravando cada vez mais, os noticiários internacionais informavam que as relações entre o Japão e a  América (que hoje chamamos Estados Unidos) estavam se complicando,  em virtude de problemas econômicos e políticos de difícil solução. Paralelamente intensificavam-se negociações diplomáticas em Tokyo e Washington, onde os respectivos embaixadores discutiam propostas e contrapropostas.

O assunto despertava interesse em nossa família porque o Embaixador do Brasil no Japão era irmão de minha mãe. Eu queria muito bem a ele, cujas cartas para vovó eu lia quando ela – que perdera a visão em cirurgia de catarata -  me ditava as respostas para eu escrever e ela assinar ao final. Aos 14 anos de idade, e decidido a seguir a carreira diplomática, eu ouvia com especial atenção os comentários de meu pai sobre o complexo desdobramento do caso.

De repente, porém, o mundo foi sacudido pela assombrosa notícia: “aviões japoneses afundaram a esquadra americana no Pacífico”. O fato - que hoje é simbolizado pelo nome Pearl Harbor - entrou para história no alvorecer de 7 de Dezembro de 1941. E a guerra passou a ser mundial.


Ainda hoje são lidos e assistidos, com emoção e perplexidade,  livros e filmes sobre o ataque de cerca de trezentos e cinquenta  aviões japoneses, que,  procedentes de seis navios porta-aviões, em menos de duas horas deixaram milhares de mortos e feridos, além de destruição e avarias em navios, aviões e instalações daquela base naval no Havaí. Dos oito encouraçados atingidos, seis foram recuperados e voltaram às atividades; um, porém, ficou para sempre no fundo das águas rasas da baía: o “Arizona” (foto ao lado).

Já na década de 60 foi construído sobre ele um monumento em memória dos mais de 1.000 tripulantes consumidos pelo fogo das fragorosas explosões que destruíram o navio; e este passou a ser considerado o túmulo marítimo dos que nele perderam a vida no momento exato em que seu país, agredido, despertava do sono da paz para mergulhar no inferno da guerra.


O impressionante monumento (foto ao lado)  parece flutuar mas é, na realidade, uma ponte sobre o casco logo abaixo, do qual pequena parte está acima da água. Ele tem sido visitado por milhões de japoneses e americanos, segundo reportagem da National Geographic (Junho 2001), que se refere ao mesmo como sendo a pedra de toque da geração que viveu a 2ª Guerra, constituindo-se não apenas uma lembrança de seus sacrifícios, mas também um lugar de reconciliação.
Pearl Harbor cravou em minha memória o  marco da traição e a marca do perigoso enlace do poder com a ambição.

MAGDALENA - O mais famoso afundamento da história tem sido focalizado em filmes, livros e revistas, que empolgaram todas as gerações desde 1912, quando o maior e mais moderno navio de passageiros do mundo afundou, morrendo cerca de mil e quinhentas pessoas. Era o transatlântico inglês “Titanic”, cujo casco foi cortado por um iceberg durante sua viagem inaugural entre Southampton e Nova York.
Em 1949 um outro transatlântico inglês - “Magdalena” – teve um fim menos trágico, mas seu afundamento teve duas raras características: não causou uma só morte e foi visto por milhares de pessoas em terra, inclusive eu próprio. Eu estava no Rio de Janeiro no dia 26 de Abril,  almoçando no último andar de um hotel na Avenida Atlântica, cujo restaurante envidraçado oferecia uma vista panorâmica do mar em frente à praia de Copacabana.
     Ao apreciar a cena de um grande navio sendo lentamente rebocado, de repente notei que os mastros da proa e da popa estavam balançando, mas não paralelamente; ambos convergiam para o centro, em direção à vistosa chaminé...! Levantei-me para ver mais de perto, enquanto outras pessoas exclamavam algo como “o navio se partiu em dois”. Obviamente o casco havia, no mínimo, rachado.

Como já era do conhecimento público, na véspera ele havia encalhado próximo à Barra da Tijuca, de onde os mais de quatrocentos  passageiros  e suas bagagens, assim como a maioria da tripulação,  foram transportados em diversas embarcações para o porto do Rio e alojados em hotéis. Depois de horas preso pelo casco e castigado pelo vento e pelas ondas, ele finalmente foi aliviado de toda a sua carga e  voltou a  flutuar. Mas o choque com a pedra no fundo do mar tinha aberto um rombo, por onde a água invadiu um porão, deixando a proa mais pesada do que a popa.
O novo “Magdalena” realizava sua 1ª viagem; saiu em Março da Inglaterra para a Argentina, de onde regressava, com  escala no Brasil.
Um imperdoável erro de navegação provocou o lamentável desastre. Ele não chegou a entrar na Baía de Guanabara; partindo-se em dois. 

A proa (1ª foto) afundou; e a grande parte que sobrou (2ª foto), inclusive a popa, ficou à deriva até encalhar numa praia de Niterói.

Eu tinha 21 anos, era noivo, e a Carminha estava no Rio, com os pais. Na manhã daquele dia eu e ela estivemos na praia do Leme, em frente ao apartamento de uma tia dela. Juntos pudemos ver ao longe o grande navio quando ele e seus rebocadores começaram a aparecer em Copacabana. Após o almoço, indo ao centro, vi na orla marítima uma multidão de pessoas observando o melancólico fim de um imponente transatlântico.

O raro acontecimento deixou o marco da temporada dos noivos Jimmy e Carminha na “Cidade Maravilhosa”. Foi realmente um maravilhoso período de minha vida - conforme relato em outro capítulo.
  
E o “Magdalena” me deixou também um ensino e um alerta, contidos na marca do perigo que ronda quem se afasta do rumo certo. A Bíblia contém muitas advertências de Deus sobre o perigo desse afastamento.

CALEIDOSCÓPIO - Pode ser que exista, mas não conheço navio com esse nome.  Quando criança eu me encantava com o caleidoscópio que um tio meu, viajando de navio,  trouxe da Europa. Trata-se de  um aparelho que produz (ao ser girado o tubo com os espelhos nele contidos) imagens coloridas que se sucedem causando impressões variadas. Meu tio gostava de mostrá-lo aos sobrinhos, mas ninguém podia pegar, apenas apreciar o instrumento. Aquele tempo me vem à mente quando hoje mostro a uma de minhas bisnetas, sem deixar que ela toque, a linda miniatura de um avião de vidro, imóvel, dentro de um vaso de vidro - presente de meu irmão aviador, de saudosa memória.

Caleidoscópio não é, pois, o último navio cujo afundamento venho comentar neste capítulo;  é uma variedade de fatos sobre os quais farei as seguintes reflexões: 
   
Em 1981 fiquei chocado com a repetição de terríveis acidentes fluviais no Amazonas, noticiados pela televisão. No espaço de oito meses, cerca de 600 pessoas morreram em dois naufrágios! O 1º foi o do “Novo Amapá”, no rio Jari; o 2º  foi o do “Sobral Santos II”, no rio Amazonas. Apesar da profundidade do rio não alterar a triste realidade, observei um contraste relativo ao último: a televisão disse ser de 8 (oito) metros a profundidade no local onde as pessoas morreram afogadas, enquanto um jornal informou ser de 80 (oitenta) metros. Em Óbidos fica uma das áreas mais fundas do rio, embora seja das de menor largura.

Sete anos antes daquelas lamentáveis ocorrências, eu e Carminha tivemos a oportunidade de conhecer a referida região, a bordo do majestoso “Anna Nery” – no qual fizemos uma excelente viagem marítima e fluvial, de Fortaleza a Manaus, voltando pelo mesmo trajeto. Apesar da vastidão das águas, em nenhum momento pensei que o navio poderia naufragar e, muito menos, na possibilidade de morrermos afogados ali. A solidez e as grandes dimensões do navio devem ter contribuído para a sensação de segurança com que pude desfrutar da agradável navegação.

Várias vezes, no lugar mais alto do navio onde um passageiro pode ficar, eu estive apreciando aquele mundo verde e amarelado de selva e água. E  outras vezes, bem na proa, eu ficava deliciando a sensação de receber no rosto a suave ventania que o navio ia atravessando. Admirava-me  ver como pareciam palitos os grossos troncos de árvores que, boiando, batiam no casco e eram desviados. Ocasionalmente meu pensamento voava para pontos distantes na Terra ou no Universo; ou se fixava em assuntos do cotidiano - pessoas, problemas, planos, etc. – embora os pés estivessem firmes pisando num navio que navegava velozmente no rio que, em volume de águas, é o maior do mundo...!

Voltando, porém, à triste realidade dos citados noticiários, recordo que eles me fizeram imaginar que em algum lugar daquele grandioso ambiente, centenas de pessoas morreram afogadas! É revoltante e inaceitável a irresponsabilidade de proprietários de embarcações e a impunidade que zomba das autoridades responsáveis pela fiscalização da segurança pública. E isso, infelizmente, não ocorre só no Brasil.

No mundo sempre houve o confronto de duas forças: de um lado, o excesso de confiança (talvez por imprudência ou incompetência) de pessoas orgulhosas de sua capacidade de lidar com equipamentos de grande porte ou de alta tecnologia; do outro, os elementos e as imutáveis leis físicas estabelecidas pelo Criador, que não perdoam a quem não os respeita.

Atualmente, reportagens feitas de bordo de helicópteros nos permitem ver em telas de televisores alguns naufrágios no momento em que ocorrem. Em consequência, podem ser vistas “ao vivo” pessoas morrendo...! Em passado remoto, as notícias chegavam muito depois ou talvez nunca.

Pesquisadores e caça-tesouros de vez em quando encontram destroços de navios afundados há décadas ou há séculos. Valiosíssimos objetos são retirados e disputados pelos países conforme as nacionalidades das embarcações sinistradas. A arqueologia submarina tem valor histórico e material, mas em termos humanos é inútil, pois quem morreu não ressuscitará diante dos pesquisadores, e geralmente seus corpos nem vestígios deixam.

Aqui cabe uma reflexão espiritual: as almas das pessoas cujos corpos desapareceram nas águas certamente se depararam com a encruzilhada da Eternidade. A Bíblia diz que a vida dos seres humanos é “apenas como neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tiago 4.14). Apesar disso, raramente o homem pensa que amanhã seu nome poderá estar nos noticiários de tragédias.

Independentemente da profundidade dos rios ou dos mares,  do calor do asfalto, do frio da neve, ou da rarefação do ar nas altitudes em que voam os grandes aviões, o último instante de vida terrena é o primeiro da eternidade. É inútil deixar de acreditar em Deus. Ou, acreditando, achar que por ser Ele tão amoroso, no fim tudo dará certo. Tal pensamento equivocado ou ingênuo corresponde a pensar que alguém será admitido em um país que exige “visto consular” no passaporte, sem ter previamente cumprido tal exigência.

Felizmente, todos os homens podem ser salvos. A garantia está na Bíblia: “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá.” (João 11.15)  Graças a Deus, quando a morte me atingir, não fará diferença se meu corpo ficar intacto num leito ou se desintegrar numa bola de fogo - no solo ou a 8.000 metros de altitude - ou se for para o fundo do rio, seja a 8 ou a 80 metros de profundidade, pois meu “passaporte” para o céu já está “visado” pelo próprio Senhor Jesus.

Minha certeza decorre do fato de que fui alvo da misericórdia de Deus, que me concedeu a graça da fé em Seu Filho, conforme expliquei no capítulo “Aconteceu Comigo” do livro “Compartilhando Riquezas de Vida”. A quem solicitar pelo e-mail jkc.nunes@gmail.com terei prazer em enviar uma cópia do mencionado capítulo. 

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