sábado, 25 de junho de 2016

O VENTO, O VOO, O HOMEM E... DEUS

Lembranças, analogias e reflexões baseadas em fatos dignos de registro - no contexto histórico da Aviação.
Parte nº1deste capítulo

Um helicóptero em 1982 – O som característico de helicóptero passando por cima me fez correr para o alpendre da casa em que eu e Carminha estávamos passando uns dias - na praia de Amarração, em Agosto de 1982 (quando eu tinha 54 anos). Vi um voando em direção à vizinha praia de Atalaia, onde ele pousou ao lado do velho farol, que ficou encoberto por uma nuvem de areia.
Raciocinando que nenhum avião poderia pousar em área tão pequena, aumentou em mim o desejo de acrescentar helicópteros aos aviões comercializados por minha firma. Poucos dias antes eu havia sobrevoado a cidade de Luís Correia (antiga vila de Amarração) num avião executivo em que fui de Fortaleza a São Luís pela manhã e voltei à noite, tendo demonstrado o mesmo a potenciais compradores. A ideia de vender helicópteros, porém, ficou apenas congelada na mente, pois aquela ocasião era só para desfrutar da família e do ambiente, que era propício à meditação.

Ventania, coqueiros, mar e céu - Tranquilamente passei a apreciar o cenário e a ouvir os sons da ventania agitando as folhas dos coqueiros que o embelezavam. O rio desembocando no mar, o céu azul claro e o suave ambiente evocavam todas as fases de minha vida. Sim, desde a deliciosa e inesquecível infância com meus pais e irmãos (nas temporadas anuais da família, nas épocas das férias escolares), passando pelos períodos de namoro e noivado com a Carminha, as conversas com os pais, avós e familiares dela, os banhos de mar, as festas juninas, as “viagens” de trem, as aventuras em jipes antes da estrada asfaltada, nossa lua-de-mel (maravilhosa, como se estivéssemos isolados em uma ilha paradisíaca), as férias com nossos filhos, as pescarias, as refeições com peixes e camarões frescos, os “bate-papo” com amigos, os passeios de lancha, etc.

Semente de um livro - Se eu pudesse filmar meus pensamentos ou gravar as palavras que expressassem as reflexões que deles procediam, naquele dia eu certamente teria feito isso. Como não pude, usei uma caneta num caderno e anotei o que foi possível. Guardei a anotação como uma semente, e passei a colecionar outras, como subsídios para eventualmente escrever a respeito do vento, do voo, do homem e de Deus – no contexto da Aviação. Os anos foram se acumulando, até chegara hora de plantá-las num computador, usando seu teclado.
Três décadas passaram voando, mas como minha prioridade era promover vendas de aviões e helicópteros, não me sobrava tempo para escrever. Tive de me contentar em redigir aos poucos, na tranquilidade das noites, em casa, mas também fazendo anotações a bordo de aviões e em hotéis. O alvo era escrever um livro contendo lembranças, analogias e reflexões baseadas em fatos dignos de registro.
Até que enfim a semente germinou, estando eu já com a idade de 86 anos, pois em Março de 2014 o livro foi publicado - sob o título “Compartilhando Riquezas de Vida”. E agora, em Junho  de 2016, meu prazer se renova através deste blog, no qual poderei mesclar com novos artigos alguns capítulos publicados no livro, atualizando-os quando necessário. Dou graças a Deus por tudo isso!

Encanto, alegria e música - Foi também na mencionada praia de Amarração que nasceu, no começo dos anos 30, o amor que eu haveria de cultivar com a Aviação. Poucas vezes por semana era ali que amerissavam os aviões da Nyrba - New York, Rio & Buenos Aires Line e da Nyrba do Brasil S.A., que seriam incorporadas pela Pan American Airways, que mudou para Panair do Brasil S.A. o nome de sua subsidiária.
Para os pilotos de aviões que operavam em rios e mares, o simples farol de Atalaia devia estar para a primitiva Amarração como a majestosa Estátua da Liberdade (foto) estava para a grande Nova York e o imponente Pão de Açúcar estava para a maravilhosa cidade do Rio de Janeiro. Esses três marcos se destacavam no horizonte e serviam de referência aos aviadores da época em que os voos eram visuais, lentos e a baixa altura.
A sensacional corrida deles sobre as águas, onde desciam e de onde subiam, era encanto para meus olhos e alegria para meu espírito. Eram os Commodore (fabricados pela Consolidated) - na época considerados grandes hidroaviões para voos internacionais ao longo do litoral. Essas pitorescas aeronaves eram equipadas com dois motores de 575 hp (cavalos de força), da marca Pratt & Whitney, movidos a gasolina para aviões, pendurados na enorme asa alta graciosamente encurvada para cima, cuja parte superior tinha a cor vermelho-alaranjado, em contraste com o alumínio brilhante da fuselagem. E esta era tipo barco, com uma tampa superior para o acesso dos 18 passageiros. Por cima da cabine dos pilotos (“cockpit”) na proa, projetava-se uma “casinha” com “janelas” laterais de vidro e uma tampa no teto. O casco de embarcação voadora tinha dois flutuadores laterais, que lembravam pequenas canoas. O leme duplo compunha um belo conjunto de sólida aparência, que inspirava confiança. As hélices eram de três pás e a partida era acionada a manivela por um homem que a enfiava num orifício atrás de cada motor. Quando “pegava”, cada um parecia tossir ou soluçar antes de funcionar normalmente, produzindo um som que era música para meus ouvidos.

O sonho de voar - A criança que eu era, entre 5 e 11 anos, ficava fascinada; e com inveja de quem meu pai, agente da Panair e da Pan American, autorizava a entrar no barco a remo que levava os passageiros da beira da praia até o avião ancorado e trazia os que chegavam. Eu ansiava pelo privilégio de um dia voar, como já tinham feito meus irmãos mais velhos, Fred e Reggie, que estudavam em Recife. Meu consolo era correr na praia de braços abertos (como asas), imitando com a boca o barulho dos motores, aspirando nos pulmões o ar puro e na mente o sonho de um dia deslizar nas águas e galgar as alturas a bordo de um avião. O máximo, porém, que Papai me concedia era “viajar” entre Parnaíba e Amarração no “carro de linha” da Estrada de Ferro que transportava o pessoal da agência e os passageiros que iam e vinham, assim como eventualmente os aviadores (quando tinham de pernoitar - em Parnaíba).

 Na foto acima, de 1938, vê-se um “carro de linha” da Estrada de Ferro Central do Piauí, na vila de Amarração (Município de Parnaíba – Piauí). Foi tirada pelo marido da senhora (americana) que é vista com a mão sobre o ombro do menino (eu aos 10 anos de idade). Observem o tamanho da “máquina de retrato” pendurada no pescoço do aviador (da Pan American Airways). Na capota do bondinho tem escrito CENTRAL DO  PIAUHY. A ponte de ferro, sobre o rio Portinho, permitia o tráfego de locomotivas e carros de passageiros e cargas ligando o litoral ao interior do Estado.

Era grande minha satisfação de andar no referido “bonde” (carro ferroviário com motor de automóvel) e atravessar a ponte vendo o rio lá embaixo. Maior ainda era a sensação de ver os aviões, mas nunca tive o prazer de ao menos tocar em um deles.

De frente para um Commodore alçando voo - Recordo o dia em que ali mesmo, quando menino, eu voltava a pé do habitual banho de mar em Atalaia quando notei, pelo inconfundível ronco dos motores, um “Commodore” iniciando a corrida sobre o rio para alçar voo, em direção ao local em que, sozinho, eu me encontrava!
Fiquei esperando, até surgir em minha frente o raro e grandioso espetáculo: o casco ainda pingando água, pendurado na imensa asa que sustentava os motores que giravam aquelas hélices que tracionavam contra a ventania; virando-me rapidamente, passei a admirar o lindo barco voador que agora estava de costas, destacando os lemes que pareciam ter vida; ele havia passado “raspando” na praia onde eu estava - na curva onde o rio e o mar se encontram.
Aquele admirável instante cristalizou-se em minha mente e deve ter “selado” o afetivo relacionamento que eu viria a manter com a Aviação.
Ainda hoje vibro ao ver um avião decolando de frente e passando baixo sobre minha cabeça. É nessa hora que os aviadores exigem a plena potência dos motores que lhes obedecem o comando. Só quando os aviões atingem a altitude em que os pilotos planejaram navegar é que eles reduzem a força dos motores para a potência de voo “cruzeiro”.

Dissipando a névoa dos olhos - Quando escrevias primeiras anotações que haveriam de ser o embrião deste artigo, na bela manhã que me brindou com gratas recordações da infância, notei que a criança que eu fui já estava no “cruzeiro” da vida, isto é, “navegando” na faixa etária em que o homem já começa a olhar para o passado enquanto ainda tem muito a realizar no presente e a ver no futuro. À medida que um avião se eleva, o cenário abaixo vai diminuindo de tamanho e o horizonte à frente e aos lados vai se ampliando. Assim também é na vida: à medida que se vai envelhecendo, muitas coisas vão diminuindo de importância enquanto outras vão ampliando sua intensidade. Isso ocorreu nitidamente comigo, pelo fato de eu haver reconhecido a soberania de Cristo e a Ele entregue minha vida, confiando-Lhe o comando de minha existência material e espiritual. No dia 12 de Outubro de 1980 tive a felicidade de nascer de novo, espiritualmente, para viver na eternidade.
Pouco antes eu havia lido no livro “Crer é também pensar”, de John Stott (editado pela Aliança Bíblica Universitária do Brasil), uma frase de Gresham Machen no livro “A Fé Cristã no Mundo Moderno”, dizendo: “O que o Espírito Santo faz no novo nascimento não é transformar a pessoa num cristão sem dar atenção à evidência, mas pelo contrário, dissipar a névoa de seus olhos, de forma que possa ver e responder à evidência.” Isso é coerente com o que aconteceu comigo, pois na época de minha conversão senti a sensação de haver ganho óculos para compensar minha miopia espiritual. Dá no mesmo, dissipar névoa ou usar lentes corretivas, pois em ambos os casos a visibilidade aumenta, permitindo que se possa ver, ou ver melhor, o que era pouco perceptível.
No estágio atual da Aviação, os modernos jatos decolam de um aeroporto envolto em uma bruma cinzenta ou encoberto por nuvens baixas e densas, mas em poucos minutos atingem uma altitude onde a atmosfera é límpida, de um azul puríssimo; nesse momento diz-se que o avião passou para cima da camada. Fazendo uma analogia, atravessei a “bruma” e passei para cima da “camada” - utilizando como bússola de minha “navegação” as Escrituras Sagradas, isto é, a Bíblia – que os Batistas Regulares adotam como única regra de fé e prática.

Dos 8 aos 88 anos - Ao adaptar para este blog, em 2016, a 1ª parte de um capítulo que comecei a escrever em 1982 (apesar de só em 2014 ter sido publicado o livro que o incorporou), percebi que o assunto une minha infância à minha velhice, pois revela o sonho (de voar) da criança para quem a corrida dos aviões deslizando sobre as águas (descendo nas chegadas e subindo nas saídas) era  encanto para os olhos e alegria para o espírito, e o som dos motores era música para os ouvidos. A memória com que Deus me tem favorecido liga os meus 8 anos daquele tempo aos 88 de hoje. Sempre gostei dos versos com que Casimiro de Abreu cantou as saudades da infância, tornando perene a poesia que ainda hoje emociona, apesar de escrita há mais de 150 anos - “Meus 8 anos”.
Transcrevo-a a seguir:
“Ó que saudades que eu tenho Da aurora da minha vida, De minha infância querida, Que os anos não trazem mais. Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras, À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais. Como são belos os dias Do despontar da existência - respira a alma inocência como perfumes a flor. A infância é lago sereno, O céu é manto azulado, O mundo um sonho dourado, A vida um hino de amor. Livre filho das montanhas Eu ia, bem satisfeito, De camisa aberta ao peito, Pés descalços, braços nus, À roda das cachoeiras Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis.”
Compartilho com o grande poeta e tomo a liberdade de esclarecer que, no meu caso, a sombra era dos coqueiros, os laranjais eram os alpendres, as montanhas eram as praias, as cachoeiras eram as ondas do mar, e as asas ligeiras não eram das borboletas azuis - eram dos aviões prateados, que me encantavam...! 

Nota para os leitores
Esta é a parte nº 1 do capítulo “O VENTO, O VOO, O HOMEM E... DEUS”.  Em continuação, outras partes devem ser postadas oportunamente.

Um comentário:

  1. Parabéns, meu pai querido, por tantas riquezas de vida a serem compartilhadas!
    E pelo empenho em dividir um pouco com outros de tantas coisas que jorram de dentro de você, como beleza, alegria, entusiasmo pela vida (terrena e eterna) e pelo Deus Criador e Sustentador de todas essas coisas, nosso Salvador!!!

    Love you,
    Ivana

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