Lembranças,
analogias e reflexões baseadas em fatos dignos de registro - no contexto
histórico da Aviação.
Parte nº1deste capítulo
Um helicóptero
em 1982 – O som característico de helicóptero passando por cima me fez
correr para o alpendre da casa em que eu e Carminha estávamos passando uns dias
- na praia de Amarração, em Agosto de 1982 (quando eu tinha 54 anos). Vi um
voando em direção à vizinha praia de Atalaia, onde ele pousou ao lado do velho
farol, que ficou encoberto por uma nuvem de areia.
Raciocinando que nenhum avião poderia pousar em área tão pequena, aumentou
em mim o desejo de acrescentar helicópteros aos aviões comercializados por
minha firma. Poucos dias antes eu havia sobrevoado a cidade de Luís Correia (antiga
vila de Amarração) num avião executivo em que fui de Fortaleza a São Luís pela
manhã e voltei à noite, tendo demonstrado o mesmo a potenciais compradores. A
ideia de vender helicópteros, porém, ficou apenas congelada na mente, pois
aquela ocasião era só para desfrutar da família e do ambiente, que era propício
à meditação.
Ventania,
coqueiros, mar e céu - Tranquilamente passei a apreciar o cenário e
a ouvir os sons da ventania agitando as folhas dos coqueiros que o embelezavam.
O rio desembocando no mar, o céu azul claro e o suave ambiente evocavam todas
as fases de minha vida. Sim, desde a deliciosa e inesquecível infância com meus
pais e irmãos (nas temporadas anuais da família, nas épocas das férias
escolares), passando pelos períodos de namoro e noivado com a Carminha, as
conversas com os pais, avós e familiares dela, os banhos de mar, as festas
juninas, as “viagens” de trem, as aventuras em jipes antes da estrada asfaltada,
nossa lua-de-mel (maravilhosa, como se estivéssemos isolados em uma ilha
paradisíaca), as férias com nossos filhos, as pescarias, as refeições com
peixes e camarões frescos, os “bate-papo” com amigos, os passeios de lancha, etc.
Semente
de um livro - Se eu pudesse filmar meus pensamentos ou
gravar as palavras que expressassem as reflexões que deles procediam, naquele
dia eu certamente teria feito isso. Como não pude, usei uma caneta num caderno
e anotei o que foi possível. Guardei a anotação como uma semente, e passei a
colecionar outras, como subsídios para eventualmente escrever a respeito do
vento, do voo, do homem e de Deus – no contexto da Aviação. Os anos foram se
acumulando, até chegara hora de plantá-las num computador, usando seu teclado.
Três décadas passaram voando, mas como minha prioridade era
promover vendas de aviões e helicópteros, não me sobrava tempo para escrever.
Tive de me contentar em redigir aos poucos, na tranquilidade das noites, em
casa, mas também fazendo anotações a bordo de aviões e em hotéis. O alvo era
escrever um livro contendo lembranças, analogias e reflexões baseadas em fatos dignos de registro.
Até que enfim
a semente germinou, estando eu já com a idade de 86 anos, pois em Março de 2014
o livro foi publicado - sob o título “Compartilhando Riquezas de Vida”. E
agora, em Junho de 2016, meu prazer se
renova através deste blog, no qual poderei mesclar com novos artigos alguns
capítulos publicados no livro, atualizando-os quando necessário. Dou graças a
Deus por tudo isso!
Encanto,
alegria e música - Foi também na mencionada praia de Amarração
que nasceu, no começo dos anos 30, o amor que eu haveria de cultivar com a Aviação.
Poucas vezes por semana era ali que amerissavam os aviões da Nyrba - New
York, Rio & Buenos Aires Line e da Nyrba do Brasil S.A., que
seriam incorporadas pela Pan American Airways, que mudou para Panair
do Brasil S.A. o nome de sua subsidiária.
Para os pilotos de aviões que operavam em rios e mares, o simples farol
de Atalaia devia estar para a primitiva Amarração como a majestosa Estátua
da Liberdade (foto) estava para a grande Nova York e o imponente Pão de
Açúcar estava para a maravilhosa cidade do Rio de Janeiro. Esses três
marcos se destacavam no horizonte e serviam de referência aos aviadores da
época em que os voos eram visuais, lentos e a baixa altura.
A
sensacional corrida deles sobre as águas, onde desciam e de onde subiam, era
encanto para meus olhos e alegria para meu espírito. Eram os Commodore (fabricados
pela Consolidated) - na época considerados grandes hidroaviões para voos
internacionais ao longo do litoral. Essas pitorescas aeronaves eram equipadas
com dois motores de 575 hp (cavalos de força), da marca Pratt & Whitney,
movidos a gasolina para aviões, pendurados na enorme asa alta graciosamente
encurvada para cima, cuja parte superior tinha a cor vermelho-alaranjado, em
contraste com o alumínio brilhante da fuselagem. E esta era tipo barco, com uma
tampa superior para o acesso dos 18 passageiros. Por cima da cabine dos pilotos
(“cockpit”) na proa, projetava-se uma “casinha” com “janelas” laterais de vidro
e uma tampa no teto. O casco de embarcação voadora tinha dois flutuadores
laterais, que lembravam pequenas canoas. O leme duplo compunha um belo conjunto
de sólida aparência, que inspirava confiança. As hélices eram de três pás e a
partida era acionada a manivela por um homem que a enfiava num orifício atrás
de cada motor. Quando “pegava”, cada um parecia tossir ou soluçar antes de
funcionar normalmente, produzindo um som que era música para meus ouvidos.
O
sonho de voar - A criança que eu era, entre 5 e 11 anos, ficava
fascinada; e com inveja de quem meu pai, agente da Panair e da Pan American,
autorizava a entrar no barco a remo que levava os passageiros da beira da praia
até o avião ancorado e trazia os que chegavam. Eu ansiava pelo privilégio de um
dia voar, como já tinham feito meus irmãos mais velhos, Fred e Reggie, que
estudavam em Recife. Meu consolo era correr na praia de braços abertos (como
asas), imitando com a boca o barulho dos motores, aspirando nos pulmões o ar
puro e na mente o sonho de um dia deslizar nas águas e galgar as alturas a bordo
de um avião. O máximo, porém, que Papai me concedia era “viajar” entre Parnaíba
e Amarração no “carro de linha” da Estrada de Ferro que transportava o pessoal
da agência e os passageiros que iam e vinham, assim como eventualmente os
aviadores (quando tinham de pernoitar - em Parnaíba).
Na foto acima, de 1938, vê-se um “carro de
linha” da Estrada de Ferro Central do Piauí, na vila de Amarração (Município de
Parnaíba – Piauí). Foi tirada pelo marido da senhora (americana) que é vista
com a mão sobre o ombro do menino (eu aos 10 anos de idade). Observem o tamanho
da “máquina de retrato” pendurada no pescoço do aviador (da Pan American
Airways). Na capota do bondinho tem escrito CENTRAL DO PIAUHY. A ponte de ferro, sobre o rio
Portinho, permitia o tráfego de locomotivas e carros de passageiros e cargas
ligando o litoral ao interior do Estado.
Era
grande minha satisfação de andar no referido “bonde” (carro ferroviário com motor
de automóvel) e atravessar a ponte vendo o rio lá embaixo. Maior ainda era a sensação
de ver os aviões, mas nunca tive o prazer de ao menos tocar em um deles.
De
frente para um Commodore alçando voo - Recordo o dia em que
ali mesmo, quando menino, eu voltava a pé do habitual banho de mar em Atalaia quando
notei, pelo inconfundível ronco dos motores, um “Commodore” iniciando a corrida
sobre o rio para alçar voo, em direção ao local em que, sozinho, eu me
encontrava!
Fiquei esperando, até surgir em minha frente o raro e grandioso
espetáculo: o casco ainda pingando água, pendurado na imensa asa que sustentava
os motores que giravam aquelas hélices que tracionavam contra a ventania;
virando-me rapidamente, passei a admirar o lindo barco voador que agora estava
de costas, destacando os lemes que pareciam ter vida; ele havia passado
“raspando” na praia onde eu estava - na curva onde o rio e o mar se encontram.
Aquele admirável instante cristalizou-se em minha mente e deve ter
“selado” o afetivo relacionamento que eu viria a manter com a Aviação.
Ainda hoje vibro ao ver um avião decolando de frente e passando
baixo sobre minha cabeça. É nessa hora que os aviadores exigem a plena potência
dos motores que lhes obedecem o comando. Só quando os aviões atingem a altitude
em que os pilotos planejaram navegar é que eles reduzem a força dos motores
para a potência de voo “cruzeiro”.
Dissipando
a névoa dos olhos - Quando escrevias primeiras anotações que
haveriam de ser o embrião deste artigo, na bela manhã que me brindou com gratas
recordações da infância, notei que a criança que eu fui já estava no “cruzeiro”
da vida, isto é, “navegando” na faixa etária em que o homem já começa a olhar
para o passado enquanto ainda tem muito a realizar no presente e a ver no
futuro. À medida que um avião se eleva, o cenário abaixo vai diminuindo de tamanho
e o horizonte à frente e aos lados vai se ampliando. Assim também é na vida: à
medida que se vai envelhecendo, muitas coisas vão diminuindo de importância enquanto
outras vão ampliando sua intensidade. Isso ocorreu nitidamente comigo, pelo
fato de eu haver reconhecido a soberania de Cristo e a Ele entregue minha vida,
confiando-Lhe o comando de minha existência material e espiritual. No dia 12 de
Outubro de 1980 tive a felicidade de nascer de novo, espiritualmente, para
viver na eternidade.
Pouco antes eu havia lido no livro “Crer é também pensar”, de John
Stott (editado pela Aliança Bíblica Universitária do Brasil), uma frase de
Gresham Machen no livro “A Fé Cristã no Mundo Moderno”, dizendo: “O
que o Espírito Santo faz no novo nascimento não é transformar a pessoa num
cristão sem dar atenção à evidência, mas pelo contrário, dissipar a névoa de
seus olhos, de forma que possa ver e responder à evidência.”
Isso é coerente com o que aconteceu comigo, pois na época de minha conversão
senti a sensação de haver ganho óculos para compensar minha miopia espiritual.
Dá no mesmo, dissipar névoa ou usar lentes corretivas, pois em ambos os casos a
visibilidade aumenta, permitindo que se possa ver, ou ver melhor, o que era
pouco perceptível.
No estágio atual da Aviação, os modernos jatos decolam de um
aeroporto envolto em uma bruma
cinzenta ou encoberto por nuvens baixas e densas, mas em poucos minutos atingem
uma altitude onde a atmosfera é límpida, de um azul puríssimo; nesse momento
diz-se que o avião passou para cima da camada. Fazendo uma analogia, atravessei
a “bruma” e passei para cima da “camada” - utilizando como bússola de minha
“navegação” as Escrituras Sagradas, isto é, a Bíblia – que os Batistas
Regulares adotam como única regra de fé e prática.
Dos
8 aos 88 anos - Ao adaptar para este blog, em 2016, a 1ª
parte de um capítulo que comecei a escrever em 1982 (apesar de só em 2014 ter
sido publicado o livro que o incorporou), percebi que o assunto une minha
infância à minha velhice, pois revela o sonho (de voar) da criança para quem a
corrida dos aviões deslizando sobre as águas (descendo nas chegadas e subindo
nas saídas) era encanto para os olhos
e alegria para o espírito, e o som dos motores era música para os
ouvidos. A memória com que Deus me tem favorecido liga os meus 8 anos
daquele tempo aos 88 de hoje. Sempre gostei dos versos com que Casimiro de
Abreu cantou as saudades da infância, tornando perene a poesia que ainda hoje
emociona, apesar de escrita há mais de 150 anos - “Meus 8 anos”.
Transcrevo-a
a seguir:
“Ó que saudades que eu tenho Da aurora da minha vida, De
minha infância querida, Que os anos não trazem mais. Que amor, que sonhos, que
flores, Naquelas tardes fagueiras, À sombra das bananeiras, Debaixo dos
laranjais. Como são belos os dias Do despontar da existência - respira a alma
inocência como perfumes a flor. A infância é lago sereno, O céu é manto
azulado, O mundo um sonho dourado, A vida um hino de amor. Livre filho das
montanhas Eu ia, bem satisfeito, De camisa aberta ao peito, Pés descalços,
braços nus, À roda das cachoeiras Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis.”
Compartilho
com o grande poeta e tomo a liberdade de esclarecer que, no meu caso, a sombra
era dos coqueiros, os laranjais eram os alpendres, as montanhas eram as praias,
as cachoeiras eram as ondas do mar, e as asas ligeiras não eram das borboletas
azuis - eram dos aviões prateados, que me
encantavam...!
Nota para os leitores
Esta é a parte nº 1 do capítulo “O VENTO, O VOO, O HOMEM E...
DEUS”. Em continuação, outras partes devem ser postadas oportunamente.
Parabéns, meu pai querido, por tantas riquezas de vida a serem compartilhadas!
ResponderExcluirE pelo empenho em dividir um pouco com outros de tantas coisas que jorram de dentro de você, como beleza, alegria, entusiasmo pela vida (terrena e eterna) e pelo Deus Criador e Sustentador de todas essas coisas, nosso Salvador!!!
Love you,
Ivana