quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O VENTO, O VOO, O HOMEM E... DEUS

Parte nº 3 deste capítulo.


Pesquisa e experimentação aeronáutica - Charles Lindbergh é amplamente conhecido como o primeiro homem que atravessou o Atlântico pilotando um avião - sozinho e em voo direto, sem escala. Seu nome e o ano de 1927 ficaram, assim, indelevelmente ligados à história da aviação.
Pouca gente, porém, sabe que antes dele outros notáveis aviadores também tentaram, sem o desejado sucesso e até pagando com a própria vida o preço de sua audácia. Menos gente ainda tem conhecimento de um fato interessante no contexto da experimentação aeronáutica - que torna aquele herói merecedor de imitação, pela excepcional sagacidade com que tratou o desconhecido e pela admirável prudência com que agiu diante do imponderável. O fato foi relatado em um artigo que li há algum tempo. Apesar de não ter anotado o título e a data da revista, gravei na mente a essência do que ocorreu, e tentarei resumir fielmente a seguir, com minhas próprias palavras:
Com antecedência, Lindbergh planejou voar do Pacífico ao Atlântico sobre o território americano. Ele recebeu pessoalmente na fábrica, na Califórnia, o avião que encomendara.
   Já voando tarde da noite, e vendo só estrelas, ele percebeu que a potência do motor estava diminuindo e que, por isso, o avião estava perdendo altura. Se já fosse sobre o oceano ele poderia descer até o nível do mar sem o risco de uma colisão, mas ele sabia que embaixo era terra firme e não tinha como localizar os obstáculos na rota, inclusive montanhas, que não dava para distinguir naquela escuridão. Ele decidiu manter o avião no rumo previsto e descendo lentamente para obter a velocidade mínima necessária para prosseguir voando. Mas... até quando...? Não sei o que ele pensou e nem se pediu a Deus para resolver o problema que estava acima de sua capacidade. O certo, porém, é que após um certo tempo a força do motor começou a aumentar, dando ao competente aviador condições de voar nivelado.
   Eventualmente ele começou a aproveitar para subir um pouco, até à altitude ideal, a do plano original. Mas aí é que entra o fator que corresponde a uma pesquisa feita “na marra”, em tempo real. Lindbergh não havia planejado pesquisar o motor do avião, mas sim experimentar tudo inclusive a navegação em um voo transcontinental, antes do transoceânico que o aguardava. Lá nas alturas o avião se comportou como era de esperar, mas não aguentou muito tempo; logo recomeçou a triste realidade – a potência do motor passou a diminuir. Outra vez o piloto foi forçado a descer... para não cair. Quando o altímetro indicava que o avião estava muito baixo, e descendo, eis que o motor novamente readquiriu potência, dando ao piloto condições de voar nivelado, depois subir, etc., até estabilizar novamente na altitude ideal.
   O aviador veio a constatar (não sei se naquela ocasião ou posteriormente ao conversar com engenheiros e mecânicos) o seguinte: voando muitas horas em altitudes onde o frio é intenso, o vento gelado pode criar uma crosta de gelo na entrada de ar do carburador, que assim fica cada vez menor, diminuindo a quantidade de ar que o motor aspira para obter a explosão que gera a força. E o inverso ocorre ao voar perto do solo, onde o vento quente, degelando a crosta de gelo no carburador, permite que nele entre o máximo de oxigênio que ele foi projetado para aspirar.
 A “pesquisa” improvisada foi de inestimável utilidade para Lindbergh, pois ele, ao embarcar em Nova York para enfrentar o desafio de chegar em Paris, levava na mente a experiência há pouco adquirida. Voando sobre o oceano, o motor do seu famoso “Spirit of Saint Louis” perdeu potência em altitudes elevadas e recuperou quando o avião desceu para perto do nível do mar...; quantas vezes isso ocorreu no longo trajeto não sei, mas o detalhe é irrelevante.
Merece realce a comprovação de que as leis físicas que regem as forças da natureza não podem ser desconhecidas pelos seres humanos, especialmente os navegadores e os aviadores.

Credores da humanidade - Para chegar ao presente estágio da aviação, a humanidade tornou-se devedora a um grande número de homens e mulheres (dos quais poucos foram consagrados e muitos permanecem anônimos): inventores que pesquisaram e, artesanalmente, fizeram aviões; industriais que produziram aeronaves e aprimoraram seus componentes; pilotos de prova que se arriscaram a testá-las em voo; aviadores civis e militares que promoveram o uso das mesmas ao redor do mundo; empresários que se aventuraram a comercializar tais equipamentos; banqueiros que os financiaram; seguradoras que ofereceram a proteção adequada; instrutores que ensinaram e treinaram jovens amantes da aviação; engenheiros e mecânicos que estudaram para proporcionar  manutenção preventiva e corretiva aos equipamentos; empreendedores que organizaram linhas comerciais de transporte aéreo; governos de nações que se empenharam em legislar, regulamentar e estimular o uso da aviação militar e civil, construindo aeroportos e serviços de proteção ao voo; passageiros que viabilizaram o fortalecimento das linhas comerciais e o crescimento da  indústria aeronáutica; e muita gente que incorporou a aviação ao seu modo de viver. Um grupo especial merece nossa reverência e gratidão: os que perderam suas vidas em atividades aeronáuticas!
   O aperfeiçoamento da aviação, que passou a ser parte integrante do desenvolvimento social, político e econômico dos povos, também exigiu e continua exigindo muita saúde, competência, disciplina e amor à arte de voar, por parte dos bravos seres humanos que, não se conformando em viver somente em terra, ousam compartilhar com as aves uma parte do seu magnífico habitat.

   Aviões e helicópteros grandes e pequenos, de diferentes tipos e projetados para finalidades diversas, são produzidos com milhares de peças milimetricamente elaboradas, porém a “peça” mais importante de uma aeronave é o seu comandante. Nos ares, o elemento mais precioso a bordo ainda é e continuará sendo uma criatura de Deus - homem ou mulher.

Oxigênio, respiração e combustão - Além do comandante e do combustível, o que as aeronaves mais precisam para voar é do oxigênio encontrado na atmosfera. Ele é o agente da combustão (da gasolina ou do querosene que, explodindo internamente, faz girar motores e turbinas) e também é o agente da respiração (inspiração/expiração do ar nos pulmões).


   Na foto acima (captada por Mauro Clark) vemos um grande avião e uma pequena ave voando no mesmo rumo e utilizando o mesmo elemento.

Abro um parêntese - “Garimpar” esse raro flagrante foi um deleite para mim. Quando o vi pensei logo em ilustrar o que escrevi sobre oxigênio. Eu estava deliciando a contemplação da extensa, linda e organizada coleção de fotografias de meu filho Mauro, que me cedeu as que eu viesse a escolher para ilustrar minhas redações. Acho que ele não é só fotógrafo; é também caçador e pescador. Como uns tem o dom de caçar e outros o dom de pescar, sabendo onde, como e quando atingir seus alvos, assim é ele em relação aos seus. O instrumento de caça e pesca que ele utiliza é apenas uma moderna máquina fotográfica. O louvável hobby desse pastor, conferencista e escritor formado em engenharia é ver o que não percebem os olhares não atentos das pessoas que, preocupadas com outros assuntos, não exercitam a capacidade de apreciar, como ele, a beleza do cotidiano. Ele aprecia, capta o que há de melhor e compartilha com outros o fruto de seu trabalho. Fecho o parêntese.

   Em suma, as aeronaves dependem do oxigênio para terem força assim como os homens, as aves e os animais dependem desse elemento para terem vida...!



   Exemplo expressivo: as quatro turbinas do Airbus A380 ingerem - por segundo - cinco toneladas (5.000 quilos) de ar, cuja explosão interna produz a força desejada. (Revista Planet AeroSpace 1/2006).
   O oxigênio aquecido pode ser claramente visto nas latitudes em que o clima é frio e os aviões deixam um rasto de fumaça, resultante da condensação dos gases expelidos pela descarga.

Acho muito lindo. Até no equador, aviões voando em altitudes tão elevadas que os tornam invisíveis a olho nu, podem provocar o mesmo fenômeno. Só as linhas retas de fumaça branca são visíveis, denunciando que à frente delas vai um avião; e indicam quantos motores ou turbinas estão expelindo o oxigênio que, explodindo internamente, provocaram o funcionamento deles. Quem não sabe pode até ficar amedrontado com aquelas colunas horizontais se alongando no céu. Uma doutora me confidenciou que, da janela de seu consultório aqui em Fortaleza, diariamente via aquilo, na mesma hora e na mesma direção, e não sabendo a quem comunicar a estranha ocorrência, estava preocupada. Ela ficou aliviada quando lhe expliquei e conseguiu substituir a incômoda preocupação por uma agradável admiração. Realmente é lindo!

Conversas nos ares com pessoas em terra - Comunicações entre pessoas no ar e em terra não existiam nos primórdios da aviação. Quando eu era menino e passava férias escolares na praia de Amarração, via chegarem pela manhã as pessoas que lidavam com um esperado hidroavião; ao chegar, ele ancorava e um bote ia ao seu encontro para receber e embarcar os poucos passageiros.

    Se o avião não aparecesse até o final da tarde, as pessoas voltavam para Parnaíba (no “carro de linha” da Estrada de Ferro) e no dia seguinte retornariam, pois algum motivo causou o atraso; ele certamente apareceria no dia seguinte, a qualquer hora...!
   As comunicações aéreas começaram com a rádio-telegrafia, mediante emissão e captação de sinais de traços e pontos do “código Morse”, tal como os navios já utilizavam.

Abro outro parênteseUm exemplo histórico é o pedido de socorro do “Titanic”: em outro navio, distante, um rádio-telegrafista ouviu os apitos “3 pontos, 3 traços, 3 pontos”(. . . - - - . . . ) representando as letras S O S (save our souls: salvem nossas almas), identificou a origem e notificou o comandante, que mudou a rota do “Carpathia” e foi ao encontro dos náufragos. Assim, graças ao telégrafo elétrico, ao zelo de um técnico e à acertada decisão de um comandante, 705 vidas foram salvas quando o maior navio de passageiros do mundo afundou (em sua viagem inaugural) causando a morte de 1.523 pessoas - na lastimável noite de 15 de Abril de 1912.
   Mensagem idêntica - S O S - foi ouvida por meu pai minutos antes da queda do avião Junkers JU-52 em que ele viajava - no dia 25 de Abril de 1942.  Ele conhecia os sinais e nos contou que viu o rádio-operador freneticamente enviando a terrível mensagem. Mais detalhes sobre essa grave ocorrência (marcante para o adolescente que eu era) encontram-se no capítulo “Meu Pai e a Navegação Aérea” do livro “Compartilhando Riquezas de Vida” (publicado em 2014). Oportunamente tenciono  adaptá-lo para oferecer aos leitores deste blog, inclusive com fotos daquele trimotor alemão.
Fecho este parêntese.

   O constante progresso da eletrônica fez surgir a “fonia” nos aviões, permitindo a conversa de aviadores com pessoas em terra ou nos ares. Foi um brilhante marco na história da aeronáutica. Do aperfeiçoamento dos equipamentos eletrônicos para a aviação surgiu o termo Avionics (em inglês) e Aviônicos (em português). E o progresso é ininterrupto.
   No contexto de comunicação entre pilotos e controladores de tráfego aéreo, passo a contar uma sensacional experiência que vivi: dois aviões executivos aproximavam-se de um movimentado aeroporto nos Estados Unidos; ambos tinham letras (PP-FNM e PT-ENE) indicativas de matrículas do Brasil e eram pilotados por brasileiros. Eu voava como passageiro em um deles.  

Um dos pilotos pediu à torre de controle autorização para realizar o pouso conjunto de ambos, dispensando o outro de falar e seguir o mesmo procedimento. A resposta foi positiva e, além disso, o operador americano teve a simpática iniciativa de conceder prioridade às duas aeronaves dos brasileiros, determinando às demais que se afastassem. O fato de passarmos entre muitos aviões para nosso pouso conjunto foi algo indescritível para um apaixonado por aviação como eu.

Outra experiência, emocionante, vivida por um amigo - focalizando conversas de pilotos em diferentes aviões - me foi contada por um oficial-aviador: no comando de um quadrimotor da FAB que transportava um grupo de Guardas-Marinha (futuros oficiais da Marinha do Brasil) em viagem à Europa, um problema técnico talvez o obrigasse a tentar pouso no mar. Era noite e os jovens cadetes dormiam quando ele acendeu a luz da cabine para lhes dar a grave notícia e preparar tripulantes e passageiros para a emergência. Ele já havia entrado em contato com uma Base Aérea de Portugal sediada na ilha mais próxima do local em que se encontrava. Transcorrido pouco tempo, os portugueses despacharam dois caças para encontrar o C-54 sobre o Atlântico.

   Ao encontrá-lo, o líder informou ao brasileiro que um caça se posicionaria ao lado e o outro iria na frente de seu avião; e sugeriu ao colega que se concentrasse no voo, deixando a navegação por conta dele, bastando segui-lo. Assim, alcançaram a pista da base, onde no dia seguinte foram feitos os reparos necessários para o prosseguimento da viagem. Anos depois do fato ocorrido, meu saudoso e dileto amigo - um forte e bravo coronel - não conseguiu esconder a emoção ao me contar que, no negrume daquela noite, as luzes do caça à frente do seu avião em pane e a voz amistosa e estimulante do português lhe pareciam “a mão de Deus” que o sustentava...!

OBSERVAÇÕES - Para efeito de postagem neste blog, o capítulo “O VENTO, O VOO, O HOMEM E... DEUS” - referente à AVIAÇÃO - foi dividido em várias partes.  A 1ª foi postada em 25 de Junho e a 2ª em 7 de Julho. Esta é a 3ª.  Em continuação, outras devem ser postadas oportunamente.                                   Jimmy Clark Nunes                    25.8.2016

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